"A propósito de um livro sobre Acácio de Paiva, reencontrei Félix Bermudes. Uma figura grada do Benfica mas também das Letras e da Cultura portuguesa.
O meu bisavô materno era uma figura interessantíssima. Nascido em 1863, foi poeta, prosador, jornalista, autor de peças de teatro e letras de canções e fados, grande boémio de Lisboa no início do século passado, Acácio de Paiva trabalhou nas Alfândegas ao mesmo tempo que foi redactor de jornais como «O Século», o «Diário de Notícias» ou «O Mundo». Foi director do «Suplemento Ilustrado» de »O Século», colaborou intensamente noutros jornais, revistas e publicações, destacando-se entre elas e «Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro», a revista «Ilustração Portuguesa» e o «Suplemento Humorístico» de «O Século» e ainda o jornal portuense «Actualidades» e «O Mensageiro», de Leiria, terra de onde era natural.
Escrito por António Almeida Santos Nunes, o livro «Falando de Acácio de Paiva», recentemente publicado pela comemoração dos 150 anos do seu nascimento, define bem a imagem de alguém que escreveu milhares de versos, fundos, pagelas, folhetins, artigos, ecos, crónicas, revistas e peças de teatro.
Cabe aqui dizer, que com base em tudo o que sei sobre o meu ilustra e encantador bisavô, nunca me constou que se tenha interessado minimamente por Futebol, actividade que, aliás, tinha sido recentemente implantada em Portugal e começava aos poucos a conquistar o gosto popular. Mas isso não evita que o tenha trazido a estas suas páginas e por um motivo bem claro que já vai perceber qual é.
O livro de António Almeida Santos Nunes é profusamente ilustrado com recortes de peças literárias e jornalísticas desse meu antepassado, bem como por fotografias baças que o tempo foi comendo mas que as tornam ainda mais interessantes.
Na página 116, uma delas chamou-me particular atenção. Um grupo de rapazes bem vestidos, de bigodes recurvados para cima, estão em pose imponente. Há quatro que se distinguem: Acácio de Paiva, João Bastos, Ernesto Rodrigues e... Félix Bermudes.
Profundidade de Félix Bermudes
NÃO há que estranhar. A legenda fala de um distinto grupo de autores teatrais. E bem. João Bastos, Ernesto Rodrigues e Félix Bermudes formavam um trio que ficou para a história com o nome de «A Parceria», de um óbvio pendor republicano, com deslumbrantes e alegóricas produções revisteiras. A esta «Parceria» dedicaria Acácio de Paiva um soneto aludindo às ligações gastronómicas do grupo, e que começava assim: «Apanham amanhã um bom almoço
E eu não somente aprovo a bela ideia
Mas se alguém propuser jantar a ceia
O alvitre aceitarei com alvoroço».
Ora, ao contrário do meu bisavô, seu amigo, Félix Bermudes era um desportista emérito. Praticou Futebol Atletismo, Ténis, Ciclismo, Natação, Esgrima e o mais que se está para saber. Esteve presente nos Jogos Olímpicos de Antuérpia (1920) e de Paris (1924), disputando medalhas em tiro à pistola. Ah! E, claro está!, foi presidente do Benfica por três vezes: 1916/17, 1930/31 e 1945.
Mas, na vertigem do Futebol e do Desporto, muitas vezes cai no esquecimento a grandeza de Félix Bermudes no campo da Cultura em Portugal. Dramaturgo de excelência, foi autor de grande número de peças teatrais, de comédias e de revistas e de guiões de cinema, o mais famoso dos quais certamente «O Leão da Estrela», realizado por Arthur Duarte, que meteu Sporting e FC Porto mas não meteu Benfica. Tiveram igualmente a sua assinatura obras que os palcos tornaram sucessos: «O Conde Barão», «Sol e Sombra», «Capote e Lenço», «Novo Mundo», «Torre de Babel», «Lua Nova», «O Amigo de Peniche». bem como a obra de estofo «O Homem Condenado a Ser Deus», de uma profundidade filosófica impressionante. Foi autor do hino do Benfica, «Avante, Avante p'lo Benfica», que foi censurado ao tempo do Estado Novo, e da célebre opereta «O Timpanas», grande sucesso à época. Foi igualmente fundador da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, que viria dar lugar à Sociedade Portuguesa de Escritores.
E assim, em redor de um velho retrato de família do tempo boémio de um bisavô estimado, reencontrei Félix Bermudes, um dos pais do Benfica, figura ímpar das Letras portuguesas. Para o qual o Futebol não resumia a vida. Longe disso...
Avante, Avante P'lo Benfica
'Todos por um' eis a divisa
Do velho Clube Campeão,
Que um nobre esforço imortaliza
Em gloriosa tradição
Olhando altivo o seu passado
Pode ter fé no seu futuro.
Pois conservou imaculado
Um ideal sincero e puro.
(Refrão)
Avante, avante p'lo Benfica,
Que uma aura triunfante Glorifica!
E vós, ó rapazes, com fogo sagrado,
Honrai agora os ases
Que nos honraram o passado!
Olhemos fitos essa Águia altiva,
Essa Águia heráldica e suprema,
Padrão da raça ardente e vida,
Erguendo ao alto o nosso emblema!
Com sacrifício e devoção
Com decisão serena e calma,
Dêmo-lhe o nosso coração!
Dêmo-lhe a fé, a alma!"
Afonso de Melo, in O Benfica
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