"Aparentemente, terminou o enredo da SAD da UD Leiria em volta das consequências de possíveis faltas de comparência a jogos e de um projetado abandono do campeonato. Os possíveis efeitos dessas infrações disciplinares parecem estar afastados para a SAD e para a tabela classificativa. Sobra a origem de um jogo realizado com uma equipa “manca” e de todos os restantes cenários: o incumprimento salarial.
Esta semana, numa conferência na Universidade do Minho, os alunos de Direito perguntavam-me como se poderia evitar o problema para o futuro. Com penas mais graves? Com mais fiscalização ao longo do ano, como se prepara agora a Liga para propor aos clubes? Com outro enquadramento na admissão nas provas, tendo em conta o modelo futuro do fair-play financeiro? Respondi, em geral, com a minha convicção de há muitos anos: existem matérias que não podem ser objeto de autorregulação pura; há assuntos que, pela sua dignidade e importância para a verdade e a integridade das provas, têm necessariamente que emanar do poder legislativo do Estado e, depois, se necessário, apenas tratados nos pormenores pelas federações e pelas ligas profissionais, sem discricionariedade relevante ou mera transposição para os regulamentos. Há temas que o “legislador” (os clubes e os órgãos das federações e das ligas) não podem “legislar” em causa própria, sob pena de o conflito latente de interesses redundar em laxismo e impunidade ou remédios de “meio termo” (tocante, nesta sede, a referência de Bartolomeu às antigas assembleias gerais do “terrorismo” e do “medo” na Liga…). A realidade tem demonstrado que a ilicitude desportiva no campo da corrupção, da coação e do tráfico de influências, e do racismo; as regras mínimas de funcionamento dos órgãos jurisdicionais e de arbitragem; um conjunto uniforme e transversal às diferentes modalidades de infrações e suas sanções não devem ser objeto de uma omissão do Estado-legislador. As regras de observância do cumprimento salarial passaram indiscutivelmente a fazer parte desse lote de assuntos a impor de “cima para baixo”, de quem tem originariamente os poderes de regulação do desporto para quem os tem a título de delegação. Não compreender esta nova realidade parece ser adiar algumas das soluções.
Depois, mesmo no quadro atual, há demissão dos poderes que assistem ao Estado. Não é legítimo, quando tudo arde, continuarmos a ouvir a ladainha de que o Estado não pode intervir… O Estado pode sempre intervir, mas não quer, como mais uma vez se vê nos salários do futebol e na desistência da equipa madeirense presente nas meias-finais do playoff de basquetebol. E deveria, de acordo com a lei: “a fiscalização do exercício de poderes públicos e do cumprimento das regras legais de organização e funcionamento internos das federações desportivas é efetuada (…) mediante a realização de inquéritos, inspeções, sindicâncias e auditorias externas”. Estes são os instrumentos. Ignorados há tempo demais para que, infelizmente, consigamos ver no horizonte um outro tipo de Estado no desporto: que decida e que atue. Mas sabemos quão difícil é encontrar quem o faça."
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