"Quando um determinado personagem nacional abre a boca à frente de solícitos microfones, chega a hora das graçolas à la carte que calam fundo no lado boçal do futebol, despertando os humores mais sensíveis à atoarda, ao achincalhamento e ao desrespeito de pessoas. Chalaça, laracha, piadola ou chocarrice seria a classificação mais apropriada a esta irreprimível tendência para a pilhéria aos adversários – mas não, os admiradores deste separatismo trocista tinham logo de elevá-las à nobre condição de ironia. Já houve até um papista que recentemente não resistiu a declará-lo “mestre da ironia”!
O país decente e temente à lei vive bem com as diatribes do homem. Incomoda-se por vezes, com a oportunidade traiçoeira ou com os desvios de cariz racista, mas toda a gente já se riu, algum dia, com as facécias deste abencerragem do anedotário lusitano.
Mas, de repente, eis que do outro lado vem resposta, mais em jeito de bordoada, bruta e seca, sem ponta de fineza. Os dislates viram baionetas, os remoques engrossam para calibre de morteiro. Os jornalistas mais obnóxios transformam-se em cronistas de guerra e os comentadores dos painéis marciais em observadores em missão de paz. Como se o mundo, o nosso pequeno mundo, da bola estivesse a empinar de pernas para o ar!
O afrontamento foi elevado à condição de maior apelo à violência, o que não chegou para tirar da prateleira do sossego as autoridades competentes, porque o cariz declarado e ostensivo dos beligerantes os retira, automaticamente, do notável universo de alvos dos nossos badalados serviços de espionagem. Na bola, é tudo às claras, com a boca no trombone, porque as malfeitorias sob escuta não servem para mais nada, senão para enriquecimento da secção das mais finas ironias do YouTube.
Entre “burros” e “camiões”, “poesia” e “coca-cola”, é mais fácil entender a baixaria do confronto. Não deste em particular, com insulto e contra-insulto, mas de 30 anos deles, numa só via, sem resposta. Meio perdidos sob o fogo cruzado, alguns dos comentadores alinhados apressam-se a replicar a denúncia de um provocador de apelido Lisboa – isto sim, uma ironia finíssima –, ao mesmo tempo que assobiam para o ar ao ritmo daquele hit da ofensa militante, o tal “SLB, SLB, filhos…”, que o coro das claques unifamiliares entoa em pelo menos dez “encores” por atuação.
Mas não, não há, nunca houve, qualquer ironia neste circo. Apenas muita vergonha para os que pactuam, aplaudem e imitam, falando em desporto sem apontar tais exemplares como modelos de tudo o que não pode nem deve ser feito numa sociedade livre e sadia.
Agradeçamos, então, aos fundamentalistas por, ao menos desta vez, terem poupado a dignidade dos bons defensores da língua e respeitado a cultura dos que usam o sarcasmo como arma legítima e elevada de crítica social. Responsabilizando editores, jornalistas e comentadores, muitos mas não todos, pela falta de coragem em assumir que a charada da “linha” e dos “pneus” não é realmente uma ironia, vá lá, ao peso excessivo e doentio dos dirigentes do futebol."
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