"Naquele início de Julho, havia tanta gente triste em Portugal, mas O Convidado não. Vi miúdos e homens feitos chorando de amargura sincera, e O Convidado ria. Gente deu de si o melhor; gente foi até ao fim do seu esforço possível; gente ultrapassou as fronteiras da alma para contrariar o destino. Gente séria; gente honesta; gente boa. O Convidado desprezou a crença de todos eles; O Convidado sujou a honra de todos eles; O Convidado foi o canalha que nenhum de nós precisa de ter a seu lado, e muito menos numa altura como aquela. Foram milhares. E milhares e milhares e milhares. Saíram para a rua com orgulho, apesar da derrota. Orgulho próprio de quem dá o que tem e vai até para além do que pensava ter para dar. O Convidado olhou a multidão com um sorriso escarninho, fechou a janela para não ouvir o ruído que subia dos passeios, e abriu o jornal na página da necrologia.
Depois riu-se sozinho da piada sem graça. Foi, de alguma forma, 'a dor azul de Portugal'. A dor de todos aqueles que souberam unir-se e ser felizes contra a maldição das desgraças. Que deitaram para trás das costas as lamentações e disseram não a tantos ais. E foram vogando a onda das vitórias até ao momento em que ela se desfez na praia da derrota. O Convidado, absorto na sua teia de aranha peçonhenta, esperou pelo momento das lágrimas para se rir à gargalhada. Alguns dos que choravam até eram seus conhecidos, seus subalternos. Pouco importou para O Convidado. Limpou a cera de um ouvido com a unha comprida do mindinho e abriu a garrafa de champanhe. O Convidado é assim: velhaco! A queda dos outros é o seu gáudio. Continuou a rir-se pela noite fora como um labrego à medida que as pessoas regressavam a casa, condoídas. O Convidado está de volta: convidaram-no. Resta saber se levou a garrafa de champanhe..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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