"Há treinadores que falam de futebol e há outros que o vivem de dentro para fora. Que o explicam com naturalidade e coerência porque o sentem e o compreendem. Pepa pertence a este segundo grupo. A forma como fala do jogo é a mesma com que vive, lidera e treina: com autenticidade
Filho de uma mãe que trabalhava numa loja de perfumes e de um pai cantoneiro, cresceu em Torres Novas com simplicidade e orgulho. «Não passei dificuldades, mas também não tive o que outros tiveram», costuma dizer. E nessa frase cabe toda a sua filosofia: a de quem não se vitimiza, mas se responsabiliza. Houve dias de contas apertadas, de pequenas escolhas que revelam muito: «O Multibanco ou me dizia adeus, ou me fazia um manguito», recorda com humor. «Gostava muito de iogurtes líquidos, mas tive de optar entre os iogurtes e o leite. Ponto final.»
Essa infância moldou o homem. Fez dele alguém que valoriza o que tem, que vive com humildade e disciplina, e que acredita que o equilíbrio emocional fora de campo é a base para o equilíbrio dentro dele. «Um treinador sem estabilidade pessoal não pode ser estável profissionalmente», repete muitas vezes. Talvez por isso, mesmo no meio da pressão e do ruído do futebol, Pepa nunca perdeu o norte. A família é o seu porto de abrigo, a fé o seu chão, e o trabalho a sua linguagem.
O futebol parecia ter-lhe reservado uma carreira de sucesso. Estreou-se pelo Benfica na Primeira Liga com apenas 18 anos e marcou logo no primeiro jogo, frente ao Rio Ave, em 1999. Portugal acreditou ter encontrado, finalmente, o seu novo ponta de lança. Até surgiram comparações com o Rei Eusébio. Mas o destino, como tantas vezes no desporto, traçou outra rota: as lesões no joelho e as sucessivas operações obrigaram-no a parar cedo, aos 26 anos, no Olhanense. Foi um choque. «Um dos momentos mais duros da minha vida», confessou. Mas onde muitos teriam desistido, Pepa foi à luta e reinventou-se.
Começou do zero. Nas distritais, nos campos pesados, nas noites frias, com poucos meios e muitos sonhos. Descobriu no treino o mesmo prazer que sentia a jogar: o de competir, ensinar e fazer evoluir. Na Sanjoanense aprendeu a ser líder; no Feirense mostrou a coragem de quem não se esconde; no Tondela, a resiliência de quem luta até ao fim; e no Paços de Ferreira, o brilho de quem faz história, levando o clube à Europa com um futebol entusiasmante e corajoso; e no Vitória Sport Clube, em Guimarães, a maturidade de quem sabe liderar num dos ambientes mais exigentes e apaixonados do país, mantendo sempre a coerência e a identidade das suas ideias.
Quem o conhece sabe: Pepa é um treinador que acredita mais no processo do que no resultado. Que prefere perder a tentar ganhar do que empatar a tentar não perder. Que dá liberdade, mas cobra responsabilidade. A sua máxima é simples e poderosa: «Máxima liberdade, máxima responsabilidade.»
Por detrás desse mantra há uma arquitetura tática e mental muito clara: «O meu modelo de jogo assenta em ideias fortes e bem definidas: uma equipa que privilegia a posse, a liberdade e a criatividade no momento ofensivo.» Pepa não é refém de sistemas; fala em princípios. A estrutura pode mudar, os triângulos mantêm-se. O conceito é simples e eficaz: criar superioridades, ocupar bem o espaço, ligar setores, jogar junto: sempre! E, acima de tudo, competir.
Valoriza a compactação entre setores, a intensidade e a reação à perda. «A estrutura é apenas um ponto de partida», diz. Não tem uma favorita, mas prefere as que permitem criar triângulos e superioridades, seja nos corredores laterais ou no corredor central: «Esses são princípios inegociáveis.»
No treino, o rigor é absoluto: «Não podemos exigir um modelo de jogo sem ter um modelo de treino equivalente. Temos de treinar como jogamos.» É uma filosofia que liga a tática à vida: coerência entre o que se diz e o que se faz. Essa coerência estende-se à forma como gere o balneário: liberdade e responsabilidade, mas também proximidade e exigência. «Nunca exijo nada que não tenha sido trabalhado», sublinha. Quando foi ensinado, explicado e repetido no treino, a cobrança é total. É assim que constrói equipas que jogam com alegria e rigor. Que voam, mas não se dispersam: «Se cortarmos as asas a quem quer voar, perdemos a criatividade e a magia do futebol.»
Há algo de profundamente humano na sua forma de estar. A preocupação com o jogador que não joga, a vontade de o ajudar, de o manter ligado à equipa. A forma como insiste em ver primeiro o homem e só depois o futebolista. É aí que reside a diferença entre liderar um grupo e apenas dirigir um plantel. «Se formos bons homens, seremos melhores profissionais», resume. É nessa diferença, entre dar 100% e dar 100% mais os trocos, que se decidem jogos e campeonatos.
Pepa é um treinador marcado pela vida. Viveu cedo a glória e o revés. Após a estreia no Benfica, o estrelato abriu-se para o receber, mas depois vieram as lesões, as operações, o adeus prematuro. Foi aí que aprendeu o valor da solidão e da fidelidade. Soube quem estava realmente com ele. Esse «abrir de olhos», como gosta de dizer, moldou o homem e o treinador.
Hoje, Pepa é um técnico mais maduro, sereno e realista, mas sem perder a chama. Continua a acreditar na energia, na alegria e na coragem como valores essenciais. Coragem com bola e sem bola, porque também é preciso coragem para pressionar, subir o bloco ou, quando o contexto o exige, baixar, reagrupar e lutar por cada metro.
Gosta de equipas que se pareçam com a sua forma de viver: verticais, sinceras, com personalidade. O que o move não é a vaidade de «morrer com as ideias», mas a sabedoria de «viver com elas».
Aos 41 anos, teve a coragem de sair do país: primeiro para a Arábia Saudita, depois para o Brasil, onde trabalhou com Ronaldo no Cruzeiro. Mais tarde, no Qatar, adaptou-se a novas culturas e desafios. Em 2024, no Sport Recife, conquistou o Campeonato Pernambucano, o seu primeiro título. Um prémio para quem nunca deixou de acreditar.
Pepa lidera com naturalidade. A hierarquia existe, mas o respeito conquista-se pelo exemplo, não pelo tom de voz. Dá liberdade, mas exige responsabilidade. Deixa criar, mas cobra o que foi trabalhado. Esse equilíbrio entre rigor e empatia, entre exigência e proximidade é, um dos segredos da sua liderança.
Costuma dizer que o treinador motiva jogadores e dirigentes, mas ninguém motiva o treinador. É uma frase forte e verdadeira. No meio do ruído, da pressão e das críticas fáceis, é preciso equilíbrio. E Pepa encontrou-o: dá 100% ao trabalho e 100% à família. É aí que está o seu refúgio, a sua âncora.
Por isso, quando o ouvimos falar, percebemos que o seu discurso não é apenas sobre futebol, é sobre vida. A coerência, a energia, a humanidade e a coragem que defende no jogo são as mesmas com que vive fora das quatro linhas.
Pepa é um treinador de ideias fortes, mas, acima de tudo, um homem de princípios. Acredita que a coerência, a humildade e a coragem valem mais do que qualquer resultado isolado. E talvez por isso as suas equipas se pareçam tanto com ele: humanas, intensas, leais, positivas e cheias de vida.
No futebol, há quem viva à procura de um rótulo. Pepa prefere viver com as ideias, não morrer por elas. Já provou a sua competência enquanto treinador. O que o distingue não são apenas os resultados, mas a forma como transforma grupos em equipas, jogadores em homens, desafios em oportunidades. Antes de ser treinador, é um líder, um influencer de comportamentos, de caráter e de coerência. Onde passa, deixa cultura, energia e propósito. E é por isso que acredito que, muito em breve, voltará a assumir um projeto à medida da sua competência."

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