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sábado, 15 de novembro de 2025

Cláusulas de rescisão: uma encruzilhada fiscal


"Em período de paragem do campeonato e em vésperas de Natal, começam as movimentações da silly season. Os clubes procuram investir, os jogadores almejam novos horizontes e/ou a necessidade de minutos precipita decisões outrora jamais equacionadas.
Este constante fluxo de informações e de novidades a la minute enche as discussões de famílias e adeptos, sempre com uma frase, repetida até à exaustão: «Só sai pela cláusula de rescisão.»
Na verdade, «só sai», mas... nunca assistimos em Portugal - se a memória não me falha - ao completo e formal exercício da cláusula de rescisão. E isso prende-se, e muito, com o modo de pagamento, mas sobretudo com o ónus que a mesma transporta para a esfera do jogador.

Os clubes portugueses estão permeáveis aos «grandes» compradores
Vejamos, prima facie, o que é afinal a cláusula de rescisão.
Comecemos por algo básico, mas muitas vezes o primeiro erro cometido. O clube - supostamente comprador - vai pagar a cláusula de rescisão! Aqui d’el rei que esse poderoso colosso, com tamanha vantagem financeira, consegue chegar e a seu bel-prazer tirar o craque da equipa.
Pois bem, a cláusula de rescisão está inserida num contrato de trabalho desportivo, no qual apenas duas partes se obrigam perante o mesmo: o jogador e o clube contratante. Nenhum terceiro é afetado pelo mesmo e - em corolário - nenhum terceiro pode (ou deverá) ter qualquer impacto no normal funcionamento da relação laboral constituída. É, por isso, uma relação laboral entre partes, na qual só os seus outorgantes podem ou não fazer cessar a mesma.
Aqui chegados; apenas o jogador pode fazer cessar o contrato de trabalho e potenciar a transferência por via do exercício da cláusula de rescisão.
Seguidamente, importa perceber afinal o que é uma cláusula de rescisão. É uma cláusula liberatória. Isto é, é uma cláusula que na sua redação permite uma dupla valência:
i) terminar o vinculo laboral e desportivo sem ónus disciplinar ou compensatório para o jogador e para quem o contrata: e,
ii) estabelece um montante que as partes atribuem como bastante para satisfação do clube que vai perder o jogador
Posteriormente nascerá a dúvida procedimental. «Bom mas e se o clube não quiser receber o valor», ou maxime, o jogador não souber para onde o pagar. O n.º 4 do artigo 46.º do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) esclarece esse tema de forma translúcida: bastará depositar a quantia - definida no contrato de trabalho registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional - e, imediatamente, o jogador verá o seu contrato cessado.
Assim, e resumindo, uma cláusula de rescisão atribui um valor que, sendo pago, permite ao jogador terminar um vinculo com um clube e assinar por outro sem qualquer ónus disciplinar associado.

O terrível ónus fiscal do jogador (!)
Todavia, existe uma variável associada ao pagamento da cláusula de rescisão que não é considerada; o impacto fiscal da mesma para o jogador. Vejamos, o Tomás – nome fictício para exemplificar um putativo exercício da cláusula de rescisão – é um destacado jogador que tem no seu contrato uma cláusula que permite a rescisão do seu contrato de trabalho, sem justa causa, mediante o pagamento do valor de cem milhões de euros.
Seguindo o racional apresentado, o jogador deposita o valor junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o seu vinculo cessa sem mais. Acontece, no entanto, que a entrada do avultado valor na esfera do Tomás carece de justificação e tributação. Ou seja, entrando esse valor nas contas do jogador, importa saber: decorre de rendimento já tributado? Ou, em alternativa, decorre de um prémio antecipado pelo novo clube? Qual a origem do valor?
Assim, forçosamente, o valor pago pelo Tomás para cessar o vinculo contratual - e que dessa forma trouxe uma vantagem (assume-se) na celebração de um novo contrato de trabalho -, terá sempre de ser enquadrado em sede de IRS do próprio atleta. Ou seja, o Tomás verá assim a autoridade tributária taxar esse seu rendimento, que potenciou a quebra contratual.

O hábito de hoje se fazer uma redação aberta da cláusula de rescisão
Sem entrar em contradição com o anteriormente apresentado, certo é que hoje é comum assistir-se a uma redação aberta das cláusulas de rescisão: as mesmas assumem que o valor devido pelo jogador pode ser pago «por clube ou sociedade desportiva terceira».
Ainda que se abra a porta a um terceiro imiscuir-se na cessação da relação laboral, a base será sempre em representação de uma das partes - in casu - o jogador. Ou seja, ainda que o pagamento seja feito por um terceiro, a obrigação que se pretende satisfazer é a obrigação de uma das partes e sobre a mesma incidirá o racional de enquadramento fiscal do valor pago, e que entrou - ainda que indiretamente - na esfera do jogador.
Qualquer valor pago pelo clube em representação do jogador, e nos termos do exercício da cláusula de rescisão, terá de ser entendido como um princípio de pagamento pelo sinalagma laboral, que se irá iniciar com o novo contrato de trabalho e nesse contexto assumido como novo rendimento do jogador.
Tendo em consideração esta dimensão tributária, temos afinal a materialização real de que o valor definido por cláusula de rescisão será sempre um valor ao qual se deve somar os encargos fiscais que - independentemente de quem liquide a obrigação - serão suportados pelo jogador. Transferência com o acordo de todos: o caminho mais seguro Resta salientar que este cenário ocorre na execução pura e dura da cláusula de rescisão. Isto é, quando o jogador, por sua iniciativa e de forma unilateral, decide terminar o contrato de trabalho. No entanto, o cenário habitual é um entendimento tripartido entre clube comprador, clube vendedor e jogador. Um encontro de vontades. Um divórcio consensual. A referência corriqueira de só sai «pela cláusula», é, em bom rigor, não mais do que uma posição negocial alicerçada numa encruzilhada fiscal, que os clubes sabem que será prejudicial ao jogador se exercida."

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