"A tragédia que envolveu, no prédio onde tem sede a NFL, em Manhatan, o ex-'running back’ Shane Devon Temura, deve, pelo menos, servir para que, na morte, se mantenha vivo o tema da encefaloptia traumática crónica entre ex-desportistas...
Não fosse ter acontecido em Nova Iorque, no coração de Manhatan, a dois passos do Rockfeller Center e do MOMA, e o tiroteio provocado por um ‘lobo solitário’ há precisamente uma semana, que ceifou a vida a quatro pessoas, até podia ter passado quase despercebido, ou não se tivesse tratado da 255.ª ocorrência do género, nos Estados Unidos, em 2025.
O autor do massacre, que se suicidou, foi Shane Devon Temura, 27 anos, antigo ‘running back’ da Granada Hill Charter, uma escola de Los Angeles, que sofria de encefaloptia traumática crónica, que imputava aos danos provocados durante a sua atividade desportiva, razão pela qual escolheu a sede da NFL (entrou no prédio certo, armado com uma AR-15 devidamente legalizada, mas no elevador errado, que o levou ao 33.º andar onde funcionavam outros escritórios, onde haveria de matar e morrer) para o tresloucado ‘statement’ que quis deixar como legado. Na nota de suicídio, que tinha no bolso, podia ler-se «estudem o meu cérebro, por favor». E é aqui que nos devemos deter, no sentido de analisarmos esta tragédia na ótica desportiva. Há um ano, no livro «Pulsação», dediquei um capítulo à galopante demência dos ex-desportistas, já regulada e ‘indemnizada’, ‘post mortem’, nos Estados Unidos, mas ainda motivo de discussão e polémica na Europa, relativamente ao futebol e aos malefícios para o cérebro dos cabeceamentos constantes.
Há estudos, de universidades escocesas e suecas, que provam que um futebolista tem cerca do dobro de possibilidades de vir a padecer de Alzheimer do que um cidadão dito ‘normal’, em Inglaterra (onde houve uma razia na seleção que se sagrou campeã do Mundo em 1966) estão em curso litigâncias judiciais sobre o tema – que têm sido contestadas pelas entidades patronais, por falta de substância científica, alegando que esta só pode ser verificada na autópsia... -, mas a verdade é que não é preciso sair das nossas fronteiras para encontrar dezenas (!!!) de casos, especialmente em quem jogou nos anos anteriores à entrada em campo de bolas capazes de manter o peso (entre 410 e 450 gramas), independentemente das condições climatéricas (pelo menos até final dos anos 80 do século passado, em dias de chuva e lama, a bola ficava quatro ou cinco vezes mais pesada). Entre os ex-jogadores portugueses que já partiram padecendo de estados demenciais precoces, nomeadamente o Alzheimer, e aqueles que hoje em dia estão a perder o contacto com a realidade (não referirei casos concretos, mas, acreditem, sei do que falo) há demasiados exemplos que justificam uma abordagem mais séria do assunto, quer em termos de compensações às famílias, quer na profilaxia do mal, especialmente entre as gerações mais novas, no que respeita ao cabeceamento. A UEFA tem um protocolo neste sentido, em Inglaterra há uma tabela de utilização semanal da cabeça para jogar em função do escalão etário, mas, na prática, os efeitos destas medidas são residuais. Que o desespero de Shane Devon Temura, que levou com ele vítimas inocentes, nos faça meditar sobre a sua nota de suicídio: «estudem o meu cérebro, por favor.»"

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