"Na semana passada, fui surpreendido com um comunicado do Benfica, alegando que a «centralização está em risco de falhar os seus objetivos». Como não tinha lido nada que não soubéssemos, e que não me canso de alertar publicamente, continuei a ler para perceber se encontrava alguma informação de valor acrescentado em sete páginas de escrita.
Mas não… a única coisa de que me apercebi é que o Benfica acordou para o tema da Centralização dos Direitos Televisivos. Manifesta-se tarde, através de uma linguagem teórica e pouco construtiva para um clube que, há muito digo, tem obrigação de assumir uma liderança firme e agregadora neste tema de tamanha importância, sendo o clube de maior dimensão em Portugal. Desde a saída de Domingos Soares de Oliveira, parece que o Benfica estrategicamente não se interessou por este tema, ou assim fez parecer, porque bem sei que tem quadros altamente competentes nesta matéria, e o que vemos agora é uma tomada de posição que me parece vir acompanhada de alguma hipocrisia, pois tudo o que referem já todos sabíamos.
Mas o mais importante é que o Benfica acordou, a Liga Portugal precisa do Benfica forte e ativo, e remete-nos para uma série de considerações que necessitam de resposta urgente. O que me intriga é saber onde e que andou este Benfica nos últimos tempos? Será que está mesmo preocupado com o que diz ser a «missão coletiva, mas realista» ou quer apenas dizer por dizer, porque tem eleições em outubro e não lhe convém aprofundar o tema? Então não é este o mesmo Benfica que faz parte da Direção da Liga e da Liga Centralização (até a semana passada)? Que apoiou de forma convicta para a FPF Pedro Proença, o grande responsável pela gestão da Liga na última década e pelo estado atual do nosso futebol? Que recentemente apoiou de forma clara Reinaldo Teixeira, uma clara continuação do passado? A realidade é que Pedro Proença deixou um vazio enorme a vários níveis e tenho serias dúvidas que Reinaldo Teixeira consiga inverter a linha de atuação existente. E o Benfica apoiou ambos de forme inequívoca. Porquê?
Mas parece que os últimos 10 minutos da Taça de Portugal, após um erro grosseiro do VAR, despertaram o Benfica para a tomada de uma série de posições firmes, relativamente a vários assuntos da atualidade desportiva, fora do relvado...
Penso sinceramente que o futebol português precisa de acabar de vez com os jogos do gato e do rato, e precisa urgentemente de se focar no seu futuro a curto, médio e longo prazo. Necessita de seriedade e de um enorme sentido de responsabilidade sobre temas verdadeiramente relevantes, porque a queda já começou, e vai piorar. Contra isso já nada conseguimos fazer.
Vamos refrescar algumas memórias que insistem em não aceitar, ou não assumir com frontalidade, o que verdadeiramente se passou no futebol nacional. Em 2015/16, duas Telecom portuguesas entram em guerra competitiva, de forma inesperada, para adquirir os direitos televisivos e conteúdos dos clubes. Os protagonistas são já bem conhecidos. Esta guerra levou a uma subida exponencial do valor real, mas ninguém se queixava, pois os valores recebidos pelos mesmos direitos eram aproximadamente o dobro. Quem beneficiou diretamente desta inflação foram os jogadores e respetivos agentes, pois o preço para ganhar estava acima de tudo e as receitas foram todas canalizadas para o investimento nas equipas. Nota: foi um fenómeno que também aconteceu nas principais ligas europeias, mas estas já atuavam sobre um modelo de direitos centralizados e já existia um controle maior sobre gastos e equilíbrios financeiros. Imediatamente subiram tetos salariais, orçamentos, valores dos passes, até aos dias de hoje. E quem pagava a conta e permitia descontos antecipados aos clubes? As operadoras Telecom, que ainda hoje são tratadas como sujeitos passivos em todo este ecossistema, sem ninguém se preocupar com os seus objetivos estratégicos. Para a enorme sorte dos clubes, estas Telecom celebraram contratos de 10 anos! Pois é — mas em 2028 acabam os últimos destes mesmos contratos, e o futebol português precisa de se organizar, e já vai tarde, muito tarde, com 80% dos 34 clubes dos escalões superiores em grandes dificuldades financeiras e a viver acima das suas possibilidades.
Estamos a 12 meses de decidir qual será a nova grelha de distribuição dos direitos televisivos, e não se tem conhecimento de nenhum estudo rigoroso, credível e detalhado que venha demonstrar quais os caminhos a seguir no futuro modelo de centralização. Serão necessárias equipas de trabalho de extrema competência, criatividade e conhecimento para trabalhar a marca Liga Portugal de forma global, garantindo crescimentos consistentes, assentes numa estratégia vencedora.
A Liga Centralização é hoje liderada por um perfil fraco, que não tem nenhuma experiência solida em Media & Conteúdos, conhecido pelas suas relações próximas aos dirigentes do Sporting CP, mas teve também o voto do SL Benfica, que agora diz que é necessário uma «visão clara e um plano que crie condições necessárias para o seu sucesso»... Mas então deduzo, de forma Óbvia, que este tema não foi discutido na campanha eleitoral, juntamente com os clubes, e por isso foi dado um cheque em branco a quem nada percebe da matéria, relativamente a uma pasta de tamanha importância num momento determinante. E o Benfica lá vai tendo razão: «O que vemos com crescente preocupação é um insuficiente trabalho estrutural». Sem dúvida.
As perguntas que temos de fazer hoje, de forma muito pragmática, sobre o nosso futebol são: estará o futebol português mais competitivo? O nosso produto está a ser bem negociado, comercializado e gerido no nosso mercado doméstico e internacional? Os adeptos, principalmente os jovens, estão a ter acesso a conteúdos modernos e atrativos? Os quadros competitivos foram reformulados? Os adeptos nos estádios estão a crescer? As infraestruturas são aceitáveis? A saúde financeira dos clubes de Primeira e Segunda Liga recomenda-se? Vamos continuar a cobrar o valor mais alto das ligas europeias para assistir aos jogos? É essencial que se combata já a pirataria. Como? E, por último, a Centralização tem sido um processo bem gerido?
Sei que as respostas as questões anteriores são evidentes, mas mais se agravam quando foram feitas promessas de forma irrealista, assentes em estudos encomendados sem qualquer tipo de rigor, ignorando as reais necessidades da Liga Portugal e o nosso contexto muito específico. É de facto impressionante a forma ligeira com que se fala que os direitos televisivos vão valer 300M€, sem se demonstrar qual é a estratégia comercial que possa garantir o sucesso desta operação. A fórmula é simples: um potencial aumento das receitas com a negociação centralizada estará sempre dependente de um aumento da visibilidade do futebol português, que se traduz num aumento de consumidores (fãs) que vão aumentar a receita gerada.
Tem de se evitar a todo o custo que a Centralização dos Direitos leve a um nivelamento por baixo da Liga, com consequências graves para o negócio global. Mas perante o cenário de estagnação e diminuição dos principais direitos domésticos europeus, nada me leva a crer que Portugal não irá manter o padrão. Relativamente aos direitos internacionais, há um longo caminho a percorrer, as outras Ligas têm mais visibilidade global (fruto do trabalho Centralizado que já foi desenvolvido), as equipas são candidatas a ganhar provas europeias, têm jogadores de primeira linha. E os mercados internacionais estão inundados de jogos. Como nos vamos diferenciar e inovar para construir um projeto vencedor na penetração dos mercados internacionais?
Fico muito satisfeito de ver o Benfica acordado. Mesmo não entendendo bem quais as verdadeiras motivações do comunicado (que me são irrelevantes), a Liga Portugal precisa muito do Benfica neste processo, bem como os restantes ditos grandes. Mais os clubes médios e pequenos, que também tem de entender, de uma vez por todas, que o seu papel é determinante quando vistos como um todo. O futebol português tem uma oportunidade única de redesenhar a sua arquitetura de media, numa era digital first. O planeamento e a execução têm de começar já. Mas para este processo ser um sucesso, mesmo que no curto prazo existam diminuições de receitas e se tenham de encontrar mecanismos de compensação, o Benfica tem de liderar e sentar-se na cabeceira da mesa, por tudo o que representa, ou arriscamo-nos de forma séria a comprometer os pressupostos de crescimento futuro. E eles sabem bem disso."

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