"Lelé, Isaías e Jair Rosa Pinto divertiam o público do Madureira. Depois veio o Vasco e levou o trio
The Three Stuges: a primeira formação alinhava com Moe Howard, Larry Fine e Shemp Howard. Ano: 1922. País de origem: Estados Unidos. Ramo: cinema. Estilo: cómico. Tropelias aos molhos como gipsofila, trapalhadas à moda de Charlot; situações caricatas que punham o público a rir. Em Portugal chamávamos-lhes Os Três Estarolas. No Brasil eram Os Três Patetas. E era precisamente ao Brasil que eu queria chegar. Ao Brasil e ao Madureira (não sei porquê sempre que escrevo Madureira sai-me à primeira um Madureira Lopes, coisas que ainda vêm do tempo das moscambilhas do meu saudoso amigo e companheiro António Florêncio), clube do bairro do Rio de Janeiro com o mesmo nome. Foi fundado em 1933 com a designação oficial de Madureira Athletico Clube, algo que resultou da fusão entre o Fidalgo Football Club e o Magno Football Clube. Agora é simplesmente Madureira Esporte Clube sem essas esquisitices de estrangeirismos. Afinal a Maria da Graça é que tinha razão quando cantava: «Esse negócio de I love you/de mon amour de Paris Je t’aime/isto é conversa para estrangeiro/e não fica bem para o bom brasileiro/Como é muito mais divertido/ver o rapaz um bocado aflito/dizendo baixinho para a moça da rua/você morena é um bocado boa». Mas desvio-me. Uma tendência bastante idiossincrática. Por isso volto ao Madureira, que nunca ganhou nada de muito relevante, mas pode gabar-se de ser o clube brasileiro que passou a maior temporada fora do Brasil, 144 dias viajando pela Europa, pela Ásia – jogou na China e no Japão – e pelos Estados Unidos. Como de início usava uma equipamento às riscas grenás, azuis e amarelas, alcunharam-no de Tricolor Suburbano, uma designação um bocado depreciante, a meu ver. Enfim, não tenho nada com isso.
Nos anos 40, o Madureira deu um bocado nas vistas e não, não foi por causa do seu equipamento folclórico. Em 1942, num dos momentos mais deslumbrantes vividos no Estádio Conselheiro Galvão, ao receber o verdadeiro tricolor, o Flu, fê-lo com a sobranceria de um representante da Casa dos Lordes. 4-1; Isaías estava desvairado, marcou três golos, o último dos quais de letra, o que foi como enfiar a espada no pescoço de um toiro enraivecido. O guarda-redes do Fluminense, Romualdo Sperto, o Gijo, que já estava para pendurar as botas, sentiu-se tão humilhado que insultou o negão e a família toda dele até à quinta geração. Seguiu-se outra goleada que entrou para a lenda: 5-1 ao Vasco da Gama. A frente de ataque do Madureira era composta por um trio de jogadores maravilhosos, Isaías, Lelé e Jair da Rosa Pinto, capazes de truques de prestipeditação (acho que a palavra nem existe, mas devia existir) que provocavam gargalhadas em ondas irresistíveis vindas das bancadas. Valia tudo, pontapés de bicicleta, passar a bola por cima dos adversários com os calcanhares, dribles complexos e diversificados e tabelinhas, muitas tabelinhas, várias de cabeça entre os três. É aqui que volto aos The Three Stuges. A torcida não foi de modas e deu-lhes o nome de Os Três Patetas. Em 1936, o carrossel de maluquices garantiu ao clube o vice-campeonato carioca que, tendo em conta as suas debilidades financeiras, pode considerar-se praticamente um título. Depois, em 1942, veio o Vasco da Gama e levou os três. A preços astronómicos para a época.
Lelé era um rematador impiedoso com nome de baptismo, pois claro: Manuel Pessanha. Com o seu sucesso no Vasco ganhou direito a uma marchinha intitulada ‘No Boteco do José’: «Vamos lá!/Que hoje é de graça/No boteco do José/Entra homem, entra menino/Entra velho, entra mulher/É só dizer que é vascaíno/E amigo do Lelé». Isaías Benedito da Costa era destemido por demais. Jair Rosa Pinto, o canhoto do grupo, metia a bola one queria fosse a que distância fosse. Com Os Três Patetas a colocarem armadilhas fatais a todos os oponentes, o Vasco da Gama ganhou o CampeonatoCarioca de 1945 sem perder um jogo. Nunca ninguém tinha visto coisa assim. Na sua gana de inventarem nomes para tudo e mais alguma coisa, os jornalistas brasileiros apelidaram essa equipa de Expresso da Vitória. É giro. Dos 58 golos marcados pela equipa cruzmaltina, a tripla tratou de assinar 24. Máximo goleador da prova foi Lelé, o Canhão da Colina: 13 golos. Isaías fez 7 e Jair, o Jajá de Barra Mansa, 3.
O trio desmanchou-se com a naturalidade das coisas simples. Isaías desistiu do futebol no ano seguinte; Lelé foi para o São Paulo em 1948; Jair foi para o Flamengo em 1947. Mas em muitos estádios do Brasil ainda ecoam as gargalhadas provocadas pelos Três Patetas que teimavam em se divertir e divertir o público jogando com a alegria de meninos de rua."
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