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domingo, 10 de dezembro de 2023

Entre o desperdício e a instabilidade, o Benfica volta a escorregar e agrava o mau momento


"No terceiro empate seguido, as águias não foram além do 1-1, em casa, contra o Farense. Os campeões nacionais fizeram 37 remates, mas pecaram na finalização num jogo em que a contestação dos adeptos a Schmidt subiu de tom

Aos 98' do Benfica-Farense, Arthur Cabral, o milionário ponta-de-lança contratado no último verão que só saiu do banco aos 89', fez, num remate acrobático, o 37.º disparo das águias no jogo, o 14.º enquadrado com a baliza dos visitantes. Sem dificuldades, Ricardo Velho agarrou a bola e, logo a seguir, a partida terminou.
O 1-1 final foi pontuado com uma chuva de assobios vindos das bancadas. Depois de quase uma centena de minutos de futebol perdulário, estava ali o terceiro empate seguido para as águias, na sequência de Inter e Moreirense, novo tropeção numa época em que, estranhamente, um treinador recém-sagrado campeão vive em permanente ambiente de pré-crise.
Mais do que nunca, talvez a rejeição de parte dos adeptos a Roger Schmidt tenha atingido novos limites neste final de tarde de dezembro. Aos 64', pouco depois do 1-0 dos algarvios, o alemão decidiu tirar João Neves e Tengstedt para lançar Musa e Gonçalo Guedes. Os protestos incluíram lenços brancos e responsáveis do Benfica, no banco de suplentes, a virarem as costas ao campo para pedirem calma às bancadas, ainda que os seus gestos evidenciassem tudo menos tranquilidade.
De ciclo de instabilidade para ciclo de instabilidade, das dúvidas que foram apaziguadas pela reviravolta contra o Sporting para novo período de questões, desconfiança, contestação. Quatro pontos perdidos em duas jornadas, antes de uma semana em que Schmidt estará, mais do que nunca em exame: vem aí a ida a Salzburgo, que determinará se o Benfica terá Europa depois do natal, e a deslocação a Braga, frente a uma equipa que, passadas 13 jornadas, está apenas a um ponto dos lisboetas.
Entre o coro de assobios e protestos, no meio das faces de inquietação de jogadores que parecem alunos sempre a entrarem para um novo exame cuja matéria não têm muito bem estudada, a falta de pontaria foi a rainha da noite. Só Rafa Silva fez sete remates à baliza, Di María não parou de insistir, mas estes são dias em que os craques hesitam, rematam sem pontaria, cedem em gestos que parecem acessíveis ao seu enorme talento.
Atiçado pela necessidade de vencer, o Benfica entrou com energia e criatividade. Ao intervalo, os campeões nacionais somavam 17 remates, oito deles à baliza. Como comparação, em nenhuma das cinco jornadas anteriores a equipa de Schmidt somou mais tiros enquadrados, na totalidade da partida, do que neste primeiro tempo. Mas o desperdício reinou, qual pecado que deu asas ao gradual crescimento da instabilidade que passa do relvado para as bancadas e das bancadas para o relvado.
Apresentando Kökçü de início pela primeira vez desde o começo de outubro, as águias arrancaram logo perdulárias, com João Mário a finalizar para a primeira das 13 defesas de Ricardo Velho — claramente o melhor em campo — ao longo do desafio. Di María destacou-se no passe, com várias assistências de qualidade para os seus companheiros, um dançarino de tango em assalto constante à área rival, sentindo a falta de parceiros de remate bem-sucedido.
Do outro lado, o Farense de José Mota, confortável na tabela, tentava apresentar o seu jogo vertical, saindo disparado para os contra-ataques. Nos algarvios, as canhotas de Matheus, farol do meio-campo, e de Belloumi, agitador partindo da direita, são a maior ameaça. O filho de Bebeto, aos 19’, disparou muito perto do poste esquerdo de Trubin.
Apesar da valia dos visitantes, o guião foi de domínio local, mas sem correspondência no marcador. Por volta da meia-hora, numa sucessão de lances, Rafa, na pequena área, atirou para intervenção de Velho, enquanto Otamendi cabeceou ao ferro.
Falhar tanto no remate quando se tem do outro lado uma das velhas raposas do futebol nacional é um crime que costuma ter castigo. José Mota chegou aos 422 jogos na I Liga, mais 219 na segunda, e surfou a onda da instabilidade do Benfica.
Aos 51’, após canto de Matheus da direita, Gonçalo Silva fez um primeiro desvio ao de leve na bola, Otamendi um segundo e, apresentando a eficácia que do outro lado não houve, Falcão cabeceou para o 1-0. E eis que, após minutos de bom futebol atacante, o Benfica tinha uma montanha por escalar, tendo de efectuá-lo com uma mochila de pressão e dúvidas às costas.
Passados 13 minutos, deu-se a tal substituição que espoletou a ira das bancadas, tornando a Luz num palco de instabilidade declarada. Eis um estádio que, no final de maio, era todo alegria, a terminar o ano num anunciado divórcio entre adeptos e treinador. Faltava mais de meia-hora, tempo suficiente para dar a volta, mas o que sobrava em minutos faltava em cabeça.
No único dos quase 40 tiros do Benfica com sucesso, Rafa, aos 71', empatou. O lance voltou a nascer em Di María, pai de quase todas as jogadas de perigo, e a ter continuidade em Aursnes, que lê as conduções do argentino, temporiza para não ficar em fora-de-jogo e serve quem aparecer na área.
Seguiram-se minutos em que o Farense, experiente, escondeu a bola, fez correr rios de nervos benfiquistas, jogou com o tempo. Até que, nos descontos, o futebol direto dos locais voltou a trazer um rio de remates. E um festival de falhanços e de brilho de Ricardo Velho.
Gonçalo Guedes atirou ao lado aos 88'. O guardião travou um tiro de Rafa aos 89'. Musa atirou sem pontaria aos 94' e aos 96'. Muscat fez, também aos 96', um corte providencial.
O desafio terminaria com o tal remate acrobático de Arthur Cabral, que é um símbolo do começo dos problemas do Benfica versão 2023/24, um campeão nacional com um mercado errático, com gente que entra e sai do onze sem se perceber qual a ordem de prioridades do treinador. Schmidt lançou o jogo dizendo que havia motivos de felicidade face ao “pacote completo” da época. Vendo as reações das bancadas, a opinião não é partilhada."

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