"Com a dupla luso-argentina de craques em destaque, os campeões nacionais golearam (4-0) o Vitória SC, que jogou reduzido a 10 desde os 18'. Num encontro que desde cedo teve o vencedor decidido, a criatividade, técnica e engenho de Rafa e Di María encantaram a Luz
O que é futebol de requinte técnico, criativo, com toques de artista, ousado e elegante, elétrico e dançante, simultaneamente supersónico e esclarecido, veloz mas sem perder o controlo e a pausa? Talvez olhar para o jogo de Rafa Silva e Ángel Di María ajude a explicar.
Rafa, o supersónico português, esconde-se entre-linhas para acelerar as partidas quando recebe, levando-as para o seu universo, o seu mundo, onde só ele vive: uma realidade de acelerações impossíveis, de velocidade cada vez mais rápida à medida que os metros avançam, de passinhos pequeninos mas que parecem acelerar à medida que ele conduz a bola. Rafa, tão indiferente ao contexto, parece viver no seu planeta, e é para lá que ele gosta de levar os jogos.
Di María, o argentino dos golos decisivos, do chapéu na final dos Jogos Olímpicos, do chapéu na final da Copa América, do golo na final do Mundial, dos festejos a fazer um coração, como que convidando-nos a entrar na sua arte, na estética das fintas, das rabonas, dos caños, das gambetas. O canhoto mais canhoto que há, que quase não toca na bola de pé direito — faz tudo com o esquerdo, que tem talento que vale pelos dois.
Estes dois craques conectaram-se aos 11', cada um nas virtudes que apresenta: Rafa, beneficiando do espaço que o Vitória SC lhe deu, arrancou, imparável, levando com ele a ambição e o veneno. Encontrou Di María, que teve a bola disponível para cruzar, ao jeito do pé direito. Do pé direito? Isso seria demasiado fácil. Trivela traiçoeira, auto-golo de Jorge Fernandes, 1-0.
Ali começou a ser escrita a vitória do Benfica, daquele momento partiu a conquista dos três pontos, selados numa goleada por 4-0. Passados sete minutos, a expulsão de João Mendes tornou a noite da Luz uma formalidade, uma espera para ver por quantos ganhariam os campeões nacionais. E, mais do que isso, um entusiasmado aguardar para ver o que a inspiração de Rafa e Di María trariam.
O Vitória de Paulo Turra apresentou-se na Luz embalado por três triunfos em três jornadas. Com um trio de centrais e um meio-campo que apresentava a técnica de Tiago Silva, Dani Silva e João Mendes, os minhotos revelaram ambição nos primeiros minutos. Pressão alta e duas finalizações de Jota Silva, que chegou a acertar no poste num lance em que, provavelmente, estaria fora-de-jogo.
No entanto, as boas intenções dos visitantes tornaram-se numa mão-cheia de nada ainda antes dos 20'. O auto-golo de Jorge Fernandes e a expulsão de João Mendes, numa entrada imprudente feita a Otamendi, prometiam tornar a noite num pesadelo. A primeira parte esteve perto disso, fruto da inspiração luso-argentina. Na segunda, a equipa recompôs-se, com uma linha de quatro defesas, e minimizou perdas. Os seus adeptos, fiéis como poucos, ainda se fizeram ouvir.
Mas em noite de tempestade em vários pontos do país, de chuva, granizo, trovoadas e rajadas fortes, o vendaval de bom futebol foi mesmo de Rafa Silva e Di María. Ao duo juntou-se João Mário, leve e solto. O português dos pés de veludo assistiu Musa para um remate ao lado e falhou, ele próprio, o 2-0, que chegaria aos 33'.
João Mário voltou a tricotar o lance, descobrindo Rafa Silva. Mesmo com menos um, o Vitória não descia muito a linha e o Benfica aproveitava. Rafa deu o golo a Di María, que não marcava na Luz desde 24 de abril de 2010.
Na 500.ª partida oficial do Benfica na casa que inaugurou em 2003, a primeira parte de pesadelo para o Vitória seria concluída com nova pincelada de arte no meio da tempestade Rafa e Ángel. O argentino, carinhoso nas receções, parece domar a bola quando ela vem de longe, segredando-lhe coisas, deixando-a ali, disponível para fazer o que ele quiser, num festival de domínio de todas as superfícies de contacto do pé com aquele objeto que, para o fideo, terá passado de amado brinquedo nas ruas de Rosario para ferramenta de trabalho em Lisboa, Manchester, Paris, Turim ou em qualquer ponto do mundo.
Foi de um passe do campeão do mundo que veio o 3-0. Di María convidou Kokcu a rematar. O turco aceitou a proposta e desenho um tiro em arco, que se foi afastando de Bruno Varela e aproximando do golo. O intervalo chegou com elevada nota artística.
O segundo tempo arrancou como terminara o primeiro. Festejo do Benfica, sofrimento do Vitória. Rafa voltou a ter muito espaço, João Mário desperdiçou na cara de Bruno Varela, mas Aursnes, novamente lateral-esquerdo, fez o 4-0.
A imagem mostrada poderia prometer mais 45 minutos de desastre para os de Guimarães, mas a ferida foi estancada. O Benfica tirou o pé do acelerador, travando o vendaval de bom futebol. Rafa Silva e Di María carregaram no botão da pausa, como artistas já a pensar em obras vindouras.
Do outro lado, o Vitória ganhou fôlego, melhorando com linha de quatro. O apoio vindo dos adeptos visitantes foi o reconhecimento do esforço e do brio da equipa, que jogou mais de 70 minutos com 10 e, na parte final, roçou o 4-1.
Roger Schmidt, tantas vezes criticado na época passada por não dar descanso às principais figuras, foi usando o banco. João Victor entrou para lateral-direito, estreando-se na I Liga mais de um ano depois de assinar pelo Benfica. Saltaram do banco, também, Neres, mais tímido que noutras noites, Arthur, Morato e Tomás Araujo.
O fechar do duelo foi sereno, qual calma depois da tempestade, manhã após a trovoada, tranquilidade que se segue à agitação. Após um fim de mercado agitado na Luz, o jogo conectou-se com essa energia, à boleia da arte de Di María e Rafa Silva. Três pontos e três jornadas a vencer depois do tropeção inaugural no Bessa. Os campeões nacionais voltam ao campeonato dentro de duas semanas, em Vizela, após a paragem para as seleções."
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