"O judo português esteve presente no Grand Slam de Budapeste com a sua competidora mais medalhada de sempre: Telma Monteiro. Não lhe tendo corrido da melhor feição a prova – ficou-se por um 5º lugar – declarou no final da mesma: “O combate para o 3º lugar foi uma derrota pesada e é sempre desagradável terminar a prova assim”. Sem desculpas, sem auto-recriminações, sem auto-comiserações, ainda disse: “não estou satisfeita como o dia acabou”. Telma Monteiro não se veio vangloriar de ter alcançado um quinto lugar… Telma Monteiro não se mostrou eufórica ou esfusiante por ter conquistado um quinto lugar… Porque não se ganha um quinto lugar, antes se perde um terceiro. Perde-se uma medalha de bronze!
E se Roger Federer, após a final olímpica com Andy Murray no Rio de Janeiro, em 2016, ao sair derrotado afirmou “não perdi o ouro, ganhei a prata” há que analisar esta declaração à luz de questões relacionadas com poder, com ‘status’ e com retribuições económicas. Federer subiu ao pódio… e numa sociedade onde a meritocracia continua a fazer escola, numa sociedade onde se medem os êxitos pelos ‘rankings’ ou pelos medalheiros, “como acontece em todas as éticas meritocráticas, a sua exaltada conceção de responsabilidade individual é gratificante desde que as coisas corram bem, mas desmoralizante, e mesmo punitiva, quando as coisas correm mal”, como nos diz Michael Sandel (1).
A diferença entre estes dois exemplos reside no facto de Telma Monteiro ter feito pedagogia. E fez pedagogia no desporto. Porque há uma diferença entre «pedagogia do desporto» e «pedagogia no desporto»…
Se a pedagogia do desporto nos dá o “como”, o “porquê”, o “quando”, o “onde”, o “a quem” e o “por quem”, como nos refere Gaston Mialaret (2), a pedagogia no desporto transporta-nos para comportamentos éticos e morais eivados de valores. Se a pedagogia do desporto assume um carácter exclusivamente científico, exercer a pedagogia no desporto é uma arte inerente ao indivíduo digno, responsável, decente, com coluna vertebral vertical. Maria Teresa Pimenta (3), quando nos fala do pedagogo que foi Sebastião da Gama (1924-1952), declara que “é importante que alguém nos venha lembrar que, para lá da utilização das técnicas, é a educação essencial que conta e que ela depende da concretização de uma certa maneira de pensar e realizar a vida”.
O realce dado aos aspectos lógico-objectivos no desporto de alto rendimento (ou alta competição) em detrimento dos factores pedagógico-didácticos (com uma maior valência nas etapas de iniciação e de formação) indicam-nos a utilização e a aplicação de métodos pedagógicos que vão sendo progressivamente abandonados ao longo da vida do desportista. A pedagogia do desporto tem um papel fundamental na construção do carácter e da personalidade do jovem desportista. Se bem aplicada torna-se uma ferramenta extremamente útil, se desbaratada poderá ser até um instrumento criador de contra-valores. No primeiro caso verificar-se-á em anos vindouros a existência de uma pedagogia no desporto, no segundo a sua ausência. A pedagogia no desporto não nos dá métodos nem meios, antes pelo contrário, é um comprovante da existência anterior de uma pedagogia do desporto bem praticada e alicerçada.
A pedagogia do desporto assume-se num eixo vertical entre o desportista e o treinador numa relação contratual e afectiva (relação pedagógica), enquanto a pedagogia no desporto, ou a falta dela, é transversal a todos os intervenientes no sistema desportivo e a todas as profissões que gravitam à volta deste.
Nada há de pedagógico em sancionar um jogador de futebol que já terminou a sua carreira. É o caso de Fábio Coentrão, que já se retirou dos relvados, alvo um processo disciplinar do Conselho de Disciplina da FPF em 2022/23 mas referente a um jogo da 1.ª Liga de 2020/21. Sanção extemporânea que só terá aplicação prática se o jogador decidir voltar às lides do futebol… Um mau exemplo de pedagogia no desporto.
Não existe pedagogia no desporto quando pouco antes do início da terceira etapa do segundo Grande Prémio Douro Internacional, um contra-relógio, oito ciclistas da W52-FC Porto recebem a notícia da sua suspensão por 120 dias. Oito ciclistas suspensos preventivamente na sequência de uma operação para detecção do uso de métodos proibidos e substâncias ilícitas em provas de ciclismo… Oito ciclistas que já tinham cumprido duas etapas…
Pedagogia no desporto fez Jonas Vinegaard, o camisola amarela no Tour de France, quando desvalorizou a pressão de envergar a mesma e declarou: “É o que é. Se ganhar, ganhei, se não, não posso fazer nada. Enquanto eu fizer o meu melhor…”
Felizmente ainda existem pessoas que vão fazendo pedagogia no desporto!"
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