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sexta-feira, 24 de junho de 2022

Jupp Heynckes | O primeiro treinador alemão do SL Benfica


"Como Classificas O Trabalho De Jupp Heynckes Na Luz?

A chegada de Roger Schmidt não é um exclusivo histórico em nenhuma vertente, apesar de ser um corte transversal com a recente política do clube em relação a treinadores – portugueses desde 2008 – e de significar uma esperança em recuperar terreno para a vanguarda europeia, contratando alguém da mesma escola de alguns da moda como Rangnick ou Klopp.
Em 1999, o contexto desportivo do clube era tudo idêntico ao actual: não se vencia títulos há três anos, não se era campeão há cinco. Depois de Graemme Sounness, Vale e Azevedo arregaçou as mangas e foi recuperar o campeão europeu de 97-98 do ano sabático.
Jupp Heynckes, o alemão que fez o Real Madrid regressar ao topo da Europa 32 anos depois, fora despedido na semana seguinte a esse triunfo – além do medíocre 4º lugar no campeonato (a 11 pontos do Barcelona de Van Gaal, primeiro classificado), perdera o balneário dos ainda não galácticos. Pelo menos foi essa a razão apontada por Lorenzo Sans, presidente madridista.
Sentindo-se injustiçado pela exigência espanhola e desconsiderado pelo próprio sucesso, tirou férias. Obviamente que não se sentiu valorizado, ele que sempre estivera habituado aos maiores palcos – como treinador e jogador, já que levou o Borussia Monchengladbach às costas nos anos 70, com 218 golos em 309 jogos.
Quatro Bundesligas (três seguidas), uma Pokal e a UEFA de 1974-75, numa final onde despacha o Twente com hattrick e 5-1 no placard. Ainda perde uma final da Liga dos Campeões para o demolidor Liverpool de Shankly e Dalglish, em ’77.
A lenda também se construiu na selecção: com a Maanschaft é campeão europeu (1972) e mundial (1974), acumulando 39 internacionalizações e 14 golos. Sim, poderia ser melhor se não coabitasse com Gerd Muller, o mesmo que lhe tirou três troféus de melhor marcador da Bundesliga.
Como treinador, mantém a bitola. Aos 34 anos – estamos em 1979 – substitui o lendário Udo Lattek no banco do Monchengladbach. Um ano depois, é finalista da Taça UEFA – que perde frente ao Eintracht Franfurt. Está no clube até 1987, onde acumula boas campanhas internas e façanhas europeias, como os 5-1 ao Real Madrid em 1985-86, mas acaba sem títulos.
Isso não impede o Bayern de o ir buscar e é com os bávaros que se estreia nos troféus: duas Bundesligas e duas Supertaças. Em 1992 ruma a Bilbau para treinar o Athletic, em 94 volta á Alemanha para treinar o Frankfurt, experiência que lhe correu mal pela sua tendência de pôr tudo em causa pelos anárquicos métodos de liderança no balneário – Okocha e Yeboah já não o podiam ver à frente.
Naturalmente, pois, volta no ano seguinte à La Liga, assentando as malas nas Ilhas Canárias com o Tenerife à sua espera. É o trabalho meritório – meias-finais da Taça UEFA, além dum 5º lugar – que lhe dá o emprego em Madrid. Portanto, até 1999, já fora campeão alemão e europeu, além de registos respeitáveis em clubes de segunda linha. Sabia o que era ganhar e manter-se no topo.
Muitas bocas abriram-se de espanto então pelo coelho tirado da cartola por Vale e Azevedo, que conseguiu atrair para aquele Benfica moribundo alguém habituado a ganhar consecutivamente há duas décadas.
O dinheiro em falta nos cofre não permitiu grandes remodelações de plantel, pelo que as adições feita cingiram-se a regressos de emprestados – Maniche, Marco Freitas e José Soares – , contratações a custo zero como Chano, de baixo custo como um ainda desconhecido Robert Enke ou empréstimos: Okunowo, vindo do Barça, Tote – e não Totti, como se pensou inicialmente na comunicação social – do Real Madrid.
Preud’Homme despede-se no jogo de apresentação, entregando a baliza a Bossio e a um verdinho Enke. Um prenúncio do que aí viria – não levado a sério pelos adeptos, eufóricos pelas circunstâncias de início de época e por um começo de campeonato avassalador, com seis vitórias e um empate nos primeiros sete jogos – um recorde que só Jorge Jesus, em 2009-10, superou.
O SL Benfica era primeiro no final de Outubro. Milagre. A equipa ia bem por cá e lá fora, com vitórias em Bucareste (0-2) frente ao Dynamo (que tinha como dupla atacante Marius Niculae e Adrian Mutu) e em Salónica (1-2) frente ao PAOK.
Ia tudo de vento em popa até Jaime Pacheco pôr água na fervura e vir à Luz com o seu Boavista dividir pontos. Estávamos na 8ª jornada, a 24 de Outubro. O início do fim.
Na noite de Halloween, o Benfica foi ao Ribatejo ser massacrado pelo Alverca. 1-3. A 4 de Novembro, recebe o PAOK para uma segunda mão que se pensava confortável – errado, que os gregos fizeram-se efectivamente gregos e arrancaram um resultado em espelho do da primeira mão, obrigando o jogo a ir para os penalties. O Benfica lá se safou com Enke em destaque: duas defesas, que não teriam sido feitas soubesse ele o que se seguiria.
Mas antes, e dando fôlego para o ciclo infernal, vitória frente ao Braga (2-1) e ao Torres Novas (1-0) para a Taça. Ufa, fixe. Pena que o próximo passo fosse a visita às Antas, o que nos anos noventa significava quase sempre derrota: sim, outra, por 2-0. Nem foi preciso voltar a Sul a seguir que a meio da semana havia competições europeias ali perto. Em Vigo, nos Balaídos.
E pronto, estávamos a 25 de Novembro com a época perdida. No final do pesadelo, Vale e Azevedo atira culpas para os jogadores, obrigando João Vieira Pinto a dar a cara em conferência de imprensa caricata. O clube estava em reboliço, o escândalo instalou-se e nunca se vira algo assim. Era o fundo do poço para o Benfica, que ironicamente estava… em primeiro lugar do campeonato: 10ª jornada, mais quatro pontos que o FC Porto e cinco que o Sporting, que – spoilers – viria a ser campeão.
Se não era visível ainda o completo descalabro, espera-se cinco jornadas: à 15ª, derrota em Guimarães contra o Vitória de Quinito, que resulta em quatro pontos de distância para o FC Porto, que agora já era primeiro. O Sporting, que estivera a cinco, estava três acima. O Benfica era último do pódio em Janeiro.
Com a abertura do mercado, o Benfica reteve da eliminatória com o PAOK dois craques. Sabry, que marcara de livre na Luz, e Machairidis, médio de equilíbrios. Vieram os dois e veio João Tomás, uma promessa farta de acumular golos na Segundona.
Vinham juntar-se a um plantel no qual destoavam Nuno Gomes, João Vieira Pinto ou Poborsky, por terem tanta qualidade relativamente aos restantes colegas. O contraste era notório. E sim, as movimentações simularam, por instantes, um efeito positivo – entre a 18ª e a 22ª jornada, série de cinco vitórias consecutivas, que aguentavam o Benfica no comboio do título.
A 27 de Fevereiro, porém, o destino futebolístico orquestrou uma brincadeira dos infernos: e que tal meter Jorge Jesus – treinador do Estrela da Amadora – a atropelar o Benfica e a acabar com as esperanças patetas dum título impossível? 3-0 na Reboleira, com Gaúcho e Verona a dinamitarem a defesa encarnada. Acabava tudo ali.
Até final, mais três derrotas e um empate nas 11 jornadas restantes. O único momento válido de restituir parte da muita dignidade perdida foi o livre de Sabry a gelar Alvalade, numa noite em que o Sporting poderia ser campeão. O Benfica rejeitou o papel de bobo da corte e empurrou os festejos para a última jornada.
O final da época trouxe o erro histórico da dispensa de João Pinto e o definitivo choque entre massa adepta e o treinador alemão, remetido a moço de recados na disputa entre jogador e presidente. Ao treinador alemão faltou tino, faltou a identificação com a realidade benfiquista e assim tomou o lado errado. João Pinto dava a sua versão em 1999, no dia que anunciou ser jogador livre e que iria desempregado ao Euro 2000, uma situação inimaginável aos dias de hoje.
«Foram eles (Vale e Azevedo e Jupp Heynckes) que me dispensaram. O treinador julgo que disse á admnistração da SAD que prescindia dos meus serviços. Por isso..»
Quando questionado sobre se tinha falado com qualquer um deles, atirava um «Não. Porque o treinador não me disse pessoalmente isso, visto que teve oportunidade de o fazer. Disse previamente a todos os outros meus colegas que foram dispensados e no último dia que trabalhei no Benfica despedi-me dele, normalmente, e ele não teve a coragem de me dizer na cara que me dispensava».
Para um alemão, geralmente estereotipados como cautelosos e ultra racionais, foi um erro de palmatória ir contra o símbolo do balneário e ídolo dos adeptos. Foi um Verão dificil para Heynckes, que se manteve no cargo e tentou acautelar a saída do capitão e de Nuno Gomes com as chegadas de Van Hooijdonk, Marchena ou Fernando Meira.
O plantel era (pouco) melhor que o anterior, mas o inicio catastrófico impediu qualquer oportunidade de redenção na segunda época: primeiro, uma derrota frente a um semi-profissional Halmstads, na Suécia (1-2).
Depois, uma esforçada vitória em casa frente ao… Estrela da Amadora. Heynckes reagiu a quente no rescaldo à partida («Já não aguento mais isto neste clube. Se quiserem que vá embora, vou-me já amanhã») e no dia seguinte já não era treinador encarnado. Seria substituído por um tal de José Mourinho.
Foi um desencontro penoso. Lamentavelmente, um técnico da sua estirpe merecia um Benfica mais estável e mais capacitado de lhe conseguir fornecer o material para o sucesso – como teve no Bayern uma década depois, onde perdeu tudo primeiro para ganhar no ano seguinte, numa das histórias mais bonitas dos tempos recentes e que, ironicamente, o Benfica repetiu logo a seguir.
Foi um treinador geracional, que quebrou recordes recorrendo a um 4-4-2 de vertigem que tentou implementar na Luz – mas a matéria prima disponível estava longe de conseguir replicar as suas ideias. Era como treinador o que foi como ponta-de-lança: incisivo, voluntarioso, criterioso mas com um feitio difícil. Que, olhando de relance pelas muitas peripécias da carreira, foi o que o impediu de ser ainda maior."

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