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segunda-feira, 21 de março de 2022

No seu jeito triste, Rafa foi alegria


"O Benfica conquistou mais três pontos depois da vitória, no Estádio da Luz, contra um bom Estoril Praia. Rafa, com um golo especial, e Gonçalo Ramos construíram o resultado. André Franco reduziu

Os lábios não têm o hábito de se curvarem. A espessa expressão derrete e não é festa. O corpo, aparentemente leve, vive carregado por algo, como se soubesse uma verdade terrível. Rafa, que corre como quem não ama futebol, escreve-lhe cartas de amor jogando, inventando, sendo quem é. Foi o que fez, aos 34’, quando pegou na bola antes do meio-campo. Correu, superou quem tinha de superar, principalmente as dúvidas e os desaforos, travou, mago, e levantou o estádio inteiro. Depois do jogo, saiu do relvado de cabeça baixa, escondida no capuz, ele todo escondido, como se não fosse nada com ele. Mas era: no seu jeito triste, Rafa foi Rafa e a Luz agradeceu-lhe.
As sensações de Amesterdão pareciam reluzir na carapaça dos homens de vermelho. Surgiram para este Benfica-Estoril com atrevimento, com as ideias mais claras, pelo menos com a convicção de ir para a frente e tentar marcar o mais rápido possível. Gonçalo Ramos, após descobrimento de Grimaldo, foi o primeiro a ameaçar a baliza dos visitantes, valeu Dani Figueira.
O Estoril ia jogando encolhido no seu 5-3-2, que só era assim sem bola, com a descida de João Gamboa. Francisco Geraldes, graduado no rival da Segunda Circular, ia-se mostrando sereno, a desfrutar daquele pedaço de céu que é ter a bola no pé. Por perto teria sempre André Franco, um miúdo que os holofotes não podem esquecer.
O Benfica, com Meite e Weigl no meio, pretendia ferir a baliza da equipa que veste à Brasil com Rafa Silva, Everton Cebolinha, Gonçalo Ramos e Roman Yaremchuk – Adel Taarabt e Darwin Núñez, o herói da Champions, estavam indisponíveis. Se no arranque do jogo se viram algumas triangulações e intenções, essa hierarquia autoimposta foi-se esfumando a partir dos 15’. Antes, Grimaldo tentou de livre direto, mas mais perigoso ainda foi o cabeceamento de Jordi Mboula ao poste da baliza de Vlachodimos.
E o Estoril, que parecia estar reduzido a sofrer atrás, a resistir, passou a gostar mais da bola, convenceu-se e ganhou dinâmica. A ousadia de Geraldes alastrou-se. E melhorou, com bola, nos duelos, em todo o campo. Saía sempre do guarda-redes, com várias soluções, o Benfica começou a não saber dar conta do recado. A coragem ia sendo premiada, não pelos golos, mas pelo jogo, pelo futebol.
Os ânimos na Luz, entusiasmados no arranque do jogo, esfriaram perante a superioridade alheia. Uma perda de bola de Meite, que oferece pouco ao jogo encarnado, provocou uma saída rápida do Estoril que culminou numa trivelada de Soria, o lateral direito. Vlachodimos voou para uma bela defesa. A seguir, cumprimentaram-se como quem gosta do que faz.
O Benfica era nesta altura, apesar de algumas tentativas para atacar a baliza de Figueira, uma equipa pouco sólida, com e sem bola. Mas os craques, em tempos de dúvidas e aguaceiros, aparecem sempre. Após canto curto mal batido pelo Estoril, Rafa pegou na bola, armou-se em Karel Poborsky, como recordariam os comentadores da BTV e inúmeros passageiros das redes sociais, e a 100 à hora apareceu na cara de Dani Figueira. Antes, lado a lado com o capitão Joãozinho, travou e voltou a acelerar, um gesto que distingue poucos. Depois, tocou subtilmente para as redes da baliza. Foi um momento de alto gabarito, 1-0. O avançado, que não foi convocado para o play-off da seleção, não marcava há 14 jogos e festejou assim o oitavo golo no campeonato (12 no total).
Sem surpresa, o Estoril, que alterou a forma de pressionar, quebrou um pouco e o Benfica, não sendo magnífico, encontrou-se e lembrou-se que tem de ser superior. Intervalo.
Com a cabeça fria, já menos sofrido, o Estoril voltou ao relvado jogando como jogava antes do 1-0. Isto é, a tentar sair de trás, atrair o rival para uma ratoeira e acelerar, normalmente por um corredor. Prova disso foi a grandíssima jogada, desenvolvida pela esquerda, que Geraldes e Arthur Gomes inventaram; Franco encostou com a canhota, mas Vertonghen tirou em cima da linha.
Mas o futebol não quer saber de lógicas. E a pistola de Ramos voltou a espirrar pólvora, recebendo de Gilberto, já na área, antecipando-se a dois defesas com um toque e desviando para a baliza, 2-0. O jogo é uma coisa, o resultado é outra.
Não houve muito mais histórias para contar neste jogo, tirando a super defesa de Dani Figueira a remate de Rafa, pois claro, que na sua linguagem triste vai fazendo o que nenhum futebolista consegue fazer. O ritmo baixou e baixaria muitíssimo, com poucas faltas, sem grandes disputas.
João Mário entrou, perto da metade do segundo tempo, para dar algum tino ao meio-campo, para ajudar a manter o tesouro que é a bola. O médio não é titular há 10 jogos e nem entrou em vários. Também André Almeida teria alguns minutos, aproveitados para fazer um cruzamento excelente, com a canhota, para a cabeça de Henrique Araújo. Por pouco, por centímetros, o menino não fez o 3-0.
Por outro lado, o Estoril de Bruno Pinheiro ia tentando manter a sua identidade e jogo, mas o 2-0 arrancou-lhe do peito a crença em algo melhor, havia menos fogo, menos faísca nos duelos. Geraldes, dos mais esclarecidos em campo, acompanhou essa descida à terra e acabou por ser substituído por Romário Baró, aos 76’. A luta, já se sabe, é outra, talvez seja o sossego ou a Europa. Só a bola de futebol, a tal que entrou aos 90'+3 saída da bota de André Franco, e as decisões que se tomam com ela dirá.
O Benfica de Nélson Veríssimo, que mentalmente não deverá cair graças à permanência na Liga dos Campeões, mantém a corrida comprometida ao segundo lugar. Está a seis pontos."

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