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domingo, 21 de fevereiro de 2021

“Vivo a 40km de Gaza. Se toca a sirene é porque dispararam um rocket: em 45s, eu, mulher e filhas temos de ir para o bunker de betão”


"Há quem se lembre dele do Benfica, onde foi treinado por Fernando Santos, Camacho e Jesus. Mas a carreira de Miguel Vítor estacionou em Israel, onde ganhou mais títulos e onde se diz feliz. Já se habituou a ver homens com a metralhadora às costas a fazer compras em lojas ou a esconder a arma debaixo da espreguiçadeira para ir dar um mergulho

Nasceu em Torres Vedras. Tem irmãos? O que faziam os seus pais quando nasceu?
O meu pai ainda hoje tem uma empresa de pinturas de casas e a minha mãe é empregada de escritório. Tenho duas irmãs mais novas, uma tem 27 e a outra 25 anos. Vivi numa freguesia de Torres Vedras, chamada Ponte Rol, até aos 17 anos, altura em que mudei para o centro de estágio do Benfica.

Era um puto reguila ou calminho?
Nunca dei grandes dores de cabeça, era um miúdo tranquilo e calmo.

O que dizia que queria ser quando crescesse?
Fui variando, mas o futebol sempre foi uma coisa presente. Jogava na rua com os meus vizinhos, com os amigos, na escola. Houve uma altura em que pensei ser veterinário porque gostava muito de animais. Mais tarde comecei a gostar da fisioterapia e até foi o curso em que entrei na universidade.

Sempre foi bom aluno?
Sim e gostava da escola. Claro que o tempo dos intervalos era para jogar futebol.

Como vai parar pela primeira vez a um clube, ao Torreense?
O meu pai sabia que eu gostava de jogar futebol e levou-me aos treinos de captação no Torreense. Tinha oito anos. Lembro-me que nessas idades os miúdos querem todos marcar golos, iam todos para o ataque e eu ficava mais à defesa, então o treinador perguntou-me se eu gostava de jogar à defesa, e eu disse: "Sim, sim, pode ser". Só queria ficar [risos]. E pronto, a partir daí fiquei a jogar à defesa.

Torcia porque clube?
Sempre gostei do Benfica.

Na família são todos do Benfica?
Da parte do meu pai sim, da minha mãe eram mais pelo Sporting, mas eu sempre gostei do Benfica. 

 Quem eram os seus ídolos?
Acho que nunca tive um ídolo no futebol na infância. Mais tarde, se calhar o Figo e o Rui Costa foram os dois jogadores da geração portuguesa que me marcaram mais e eram referências quando comecei a ser um pouco mais velho e a levar o futebol mais a sério.

Esteve três anos no Torreense e vai para o Benfica. Como é que isso aconteceu?
O Torreense ia sempre a um torneio de escolas na altura do carnaval, no antigo estádio da Luz. Na altura calhou jogarmos contra o Benfica e eu marquei dois golos. Acho que a partir daí eles ficaram de olho em mim e depois foram chamando-me para várias captações. Lembro-me que na primeira estavam à volta de uns 100 miúdos. Fui ficando, fiz quatro, cinco treinos, até que disseram que queriam ficar comigo. Poucas semanas depois fui a um torneio com a equipa de escolas do Benfica, no Luxemburgo. Tinha 10 anos. Foi a primeira vez que andei de avião e tudo. Com 11 comecei nos infantis, mas com 10 fiz o meu primeiro torneio pelo Benfica.

Quando vai para o Benfica ia e vinha todos os dias de Torres Vedras?
Sim, o meu pai levava-me aos treinos. No primeiro ano treinámos no antigo estádio da Luz. Depois começou a construção do novo estádio para o Euro e andámos a treinar em vários campos à volta de Lisboa.

Continuou bom aluno?
Sim. Às vezes confesso que era um pouco cansativo porque saía de casa entre as sete e meia e as oito, para ir para a escola e muitas vezes, especialmente a partir do escalão de iniciados, em que treinamos quatro vezes por semana, chegava a casa só às nove e meia, dez da noite. Era um bocado cansativo mas sempre consegui conciliar as duas coisas e manter boas notas. Também era uma condição dos meus pais, que teria de manter as boas notas na escola, para continuar no futebol.

Quando é que se muda para o lar do Benfica?
Foi na altura da inauguração do centro de estágio do Seixal. Quando passei para júnior, os treinos passaram a ser de manhã e já não dava para conciliar com a escola lá, e o Seixal era mais longe, ficava mais complicado.

Custou-lhe deixar o ninho?
Não, já tinha 17 anos e ao fim e ao cabo também continuava perto de casa. Jogávamos ao sábado, os meus pais iam ver e eu depois ia com eles para casa, por isso todas as semanas conseguia ir a casa, não me custou muito.

No centro de estágio, muitas partidas, muitas praxes?
Não houve muitas partidas, mas tínhamos um grupo engraçado que já jogava junto há algum tempo, um grupo de amigos que ainda mantenho hoje em dia, o Ruben Lima, o André Carvalhas, o Romeu Ribeiro, o Miguel Rosa. Estes são os que ainda jogam, julgo eu, mas há outros que já não jogam. Todos os anos tentamos juntar-nos no verão e fazemos um jantar; normalmente também com o mister Bruno Lage, que foi nosso treinador durante três anos e com quem mantemos uma relação muito boa.

Dos tempos de formação no Benfica foi Bruno Lage o treinador que mais o marcou?
Sim, foi com quem estive mais tempo a trabalhar e foi uma pessoa bastante especial, que me fez evoluir muito. Foi um treinador muito importante para mim.

Quando é chamado pela primeira vez à equipa sénior e por quem?
No meu primeiro ano de júnior, no final da época a equipa principal do Benfica teve uma digressão aos EUA, na altura o treinador era o Fernando Santos. Foi a primeira vez que fui chamado à equipa principal e também estive em alguns jogos amigáveis durante essa época, na equipa principal do Benfica.

Recorda-se do que sentiu quando entrou pela primeira vez no balneário sénior do Benfica?
Sim, ver todos aqueles jogadores que estava habituado a ver só na televisão, que admirava muito, e de repente estar ali ao lado deles era uma sensação estranha. Sempre fui tímido e acho que as primeiras vezes que entrei no balneário estava no meu canto, calado, e não sabia muito bem como reagir àquilo [risos].

Ninguém se meteu consigo?
Brincadeiras... Lembro-me por exemplo que na altura jogava o Paulo Jorge e o Miguelito e quando viajamos para os Estados Unidos, o meu lugar era à janela e eles queriam trocar comigo. "Ó miúdo dá aí o teu lugar à janela que eu gosto de ir à janela", aquelas brincadeiras, mas nada de especial.

Havia algum jogador sobre o qual tivesse maior curiosidade?
Sim, na altura o Rui Costa tinha regressado ao Benfica e como disse, foi uma referência para mim e era um jogador com quem tinha grande curiosidade em trabalhar. Era uma honra para mim, poder estar ali num balneário ao lado dele. E tinha também outras figuras, o Nuno Gomes, o Miccoli, o Luisão. Foi uma altura que deixou marca, quanto temos 17 anos e de repente estamos ali a trabalhar junto desses jogadores.

Fernando Santos fica pouco tempo e entretanto vem Camacho. Muito diferentes?
Sim, o Fernando Santos, especialmente para um miúdo que acaba de subir à equipa principal, tem aquele ar mais casmurro e sério e intimidava um pouco. O Camacho era um pouco mais aberto, tinha conversas mais próximas. Foi com ele que me estreei em jogos oficiais e ele tinha conversas mais pessoais, conseguia ser mais amigável, mais empático, pelo menos na altura em que trabalhei com ele, senti um pouco mais isso, essa diferença.
Nessa sua primeira época como sénior houve algum jogo que lhe tenha feito tremer as pernas?
O primeiro jogo oficial que fiz pelo Benfica contra o Vitória de Guimarães, no estádio da Luz. Foi o primeiro jogo do Camacho, acho que o Luisão se tinha lesionado nessa semana e eu fui titular. Foi assim uma coisa... Um ano antes estava com a equipa juniores e de repente no 2.º ano de júnior estou ali a jogar na equipa principal do Benfica. Acho que estavam umas 50 mil pessoas, confesso que me fez tremer um pouco as pernas. Hoje, as coisas estão diferentes, há uma aposta diferente nos jogadores jovens e muitos aos 16, 17 anos estão a jogar nas equipas B, por exemplo, e conseguem adquirir outra experiência, jogam já contra homens. Na altura não havia equipa B e eu vim de jogar o campeonato de juniores para ser lançado ali, na equipa principal.

Notou muita diferença de ritmo?
Exatamente: a diferença é muito grande. Em termos de experiência e de maturidade é muito diferente do que acontece hoje em que os jogadores já têm 30, 40 jogos na II liga, o que dá outro nível de preparação. Confesso que naqueles primeiros jogos havia um certo nervosismo. O jogo seguinte que fiz, foi da pré-eliminatória da Liga dos Campeões, em Copenhaga, um jogo decisivo para o Benfica entrar na fase de grupos. Antes de começar o jogo havia sempre aquele nervosismo mas, quando a bola começa a rolar, isso fica um bocado esquecido e concentramo-nos só em fazer o nosso trabalho. O primeiro jogo que fiz na Liga dos Campeões foi contra o AC Milan que na altura era a equipa campeã europeia, foram momentos que surgiram muito depressa na minha vida, muito marcantes e que eu não esperava que pudessem acontecer tão cedo.

Nessa altura também já havia saídas à noite, namoros?
Sim, foi mais ou menos por essa altura, mas sempre fui uma pessoa muito profissional. Nunca tive problemas com isso. Claro que tinha as minhas saídas à noite com os meus amigos, mas era sempre quando tinha folga no outro dia ou depois de um jogo, em que não houvesse problema, sempre fui muito cuidadoso com essas coisas.

Quando ganha dinheiro pela primeira vez com o futebol?
Quando era juvenil, tinha uns 15, 16 anos, fiz contrato de formação e acho que recebia 250 euros. 

Lembra-se do que fez com o primeiro dinheiro que ganhou?
Sempre fui muito poupado. Tinha uma conta que os meus pais me tinham aberto e metia lá o meu ordenado. Felizmente também nunca precisei usar esse dinheiro e fui poupando.

Voltando ao Benfica, acabou emprestado ao Desportivo das Aves, certo?
Fui emprestado a meio da época, tinha feito quatro, cinco jogos pela equipa principal do Benfica.

É emprestado tão cedo porquê?
Porque voltaram alguns jogadores que estavam lesionados, o Luisão era um deles. E contrataram também outro central, o Edcarlos. Eu tinha feito esses jogos mas não tinha espaço na equipa principal do Benfica e pensamos em conjunto que a melhor solução seria ser emprestado para ganhar experiência.

Não ficou chateado?
Não, sinceramente senti que precisava de jogar, precisava de ganhar experiência porque tinha sido tudo muito repentino e senti que para a minha evolução o melhor também era o empréstimo, jogar, ganhar maturidade, errar, porque o treino é muito diferente do jogo e só no jogo é que às vezes se cometem certos erros e com isso vamos aprender. Ainda era o meu 2.º ano de júnior, e já seria bom para mim estar a jogar na II Liga, conseguir ganhar essa experiência.

Isso obrigou-o a sair do Seixal e rumar a norte, à Vila das Aves. Foi sozinho?
Fomos três jogadores do Benfica: eu, o Romeu Ribeiro e o Ruben Lima; fui com dois amigos. Ficámos os três no mesmo apartamento e facilitou a adaptação, fazíamos companhia uns aos outros.

Iam comer todos os dias fora ou havia algum que já cozinhava?
Naquela altura acho que ainda ninguém se desenrascava na cozinha [risos]. Mas o clube tinha um acordo com um restaurante e íamos lá sempre fazer as refeições, almoço e jantar.

Como foi passar de repente da realidade do Benfica e da I Liga, para um clube muito mais pequeno da II Liga?
Foi um clube de que gostei, era bastante familiar, pessoas muito boas. É uma pena o que aconteceu ao clube. Foi uma experiência muito boa, mas claro que os métodos de treino, a maneira de jogar eram diferentes. O Henrique Nunes era um treinador já muito experiente na II Liga, lembro-me que o D. Aves não estava muito bem classificado e então era aquela luta pelo ponto e por ganhar. Não interessava jogar bem ou jogar mal, interessava era sair dali com os pontos para subir na classificação. Foi uma experiência diferente mas acho que foi benéfica para mim. Cresci tanto como homem, como jogador.

No final da época regressa ao Benfica onde já estava Quique Flores. Gostou dele?
Foi a época em que joguei mais na equipa principal do Benfica, que me correu melhor a nível pessoal. Como era um treinador mais jovem era mais aberto aos jogadores. Também tinha uma maneira de jogar diferente, mais virada para o ataque do que o Camacho. E era uma pessoa bastante próxima dos jogadores. Apesar das coisas a nível de equipa não terem terminado da melhor forma. Até meio da época estávamos bem e chegámos a estar na liderança do campeonato, mas a partir de dezembro tivemos uma quebra e as coisas não acabaram da forma que nós queríamos. Mas acho que foi um treinador que deixou uma boa marca nos jogadores pela relação que tínhamos e pelo que evoluímos com ele.

Quando regressou do Aves já não voltou a viver no Seixal.
Não, na altura foi quando comprei o meu primeiro apartamento em Lisboa. Fui viver sozinho, mas pouco tempo depois conheci a Tânia e começamos a viver juntos.

Como é que se conheceram?
Através de uma pessoa em comum que nos apresentou, começamos a falar e as coisas avançaram. 

Nunca se tinham cruzado antes com ela, uma vez que a Tânia era jornalista de um diário desportivo?
Não, acho que nunca tinha estado numa conferência de imprensa com ela, pelo menos que eu tivesse reparado. Só me apercebi do que fazia depois de a conhecer.

Na época seguinte chega Jorge Jesus ao Benfica. Como foi o primeiro impacto com ele?
Era um treinador que vinha com ideias diferentes, muito mais atento ao detalhe. Também vinha com grande ambição, era a primeira vez que estava num clube grande e via-se que levava o treino muito a sério, até ao mais pequeno pormenor. Acabou por ser uma época a nível coletivo muito boa, conseguimos ser campeões nacionais, trazer o título de volta para o Benfica.

Ouviu muitas duras dele?
Acho que o normal. Toda a gente está sujeita a levar aquelas duras dele, temos que estar preparados para isso. Claro que se calhar a primeira e a segunda vez, um jogador fica assim mais surpreendido, o estilo dele era diferente do de Quique Flores nesse aspeto, mas depois uma pessoa habitua-se e sabe que também não é por mal, é a maneira de ser e de estar dele e passa, a pessoa vai-se habituando e já não liga muito.

O que lhe ficou na memória dos festejos do título?
Aquela festa no Marquês de Pombal...Foi a primeira vez que fui campeão nacional, ainda por cima pelo clube do meu coração, foi muito especial, apesar de não ter sido muito utilizado, foi o concretizar de um sonho: ser campeão nacional pelo Benfica. Nesse festejo que tivemos no Marquês com milhares e milhares de pessoas, lembro-me de jogadores como o Saviola, que já tinha sido campeão no Real Madrid, dizer que nunca tinha visto uma festa assim.

A seguir é emprestado novamente, desta vez para Inglaterra. Porquê?
Como disse, não estava a ser muito utilizado e senti que precisava de jogar e na altura falei com os dirigentes do Benfica. Surge o convite do Leicester, o treinador era o Paulo Sousa. Eu não conhecia a II Liga inglesa e fiquei um pouco de pé atrás, mas os meus colegas que já lá tinham jogado disseram-me que era uma liga ao nível da nossa I Liga, quer a nível de estádios, de adeptos, de condições, de organização e decidi dar esse passo.

Era uma coisa que ambicionava, jogar fora ou nunca lhe tinha passado pela cabeça?
Nunca tinha passado muito pela cabeça, estava no Benfica, no clube do meu coração, onde sempre ambicionei jogar na equipa sénior e estava a realizar um sonho. Mas por outro lado, como era pouco utilizado, senti que precisava de uma coisa diferente para a minha carreira e acho que foi uma decisão bastante boa porque foi um sítio onde adorei estar e jogar.

Já tinha deixado os estudos?
Quando passei à equipa sénior do Benfica, nesse verão entrei na faculdade, em fisioterapia, em Setúbal, só que comecei os treinos com a equipa principal, os jogos, os estágios e senti que era complicado conciliar as duas coisas. Não dei seguimento à faculdade.

Vai para Inglaterra sozinho ou com a Tânia?
Primeiro fui sozinho para assinar o contrato, ela foi lá ter comigo passado poucas semanas. Na altura foi complicado para ela porque teve de deixar o seu trabalho, mas foi uma decisão que tomamos em conjunto. Para nós só fazia sentido continuarmos juntos estando a viver no mesmo sítio, não acreditávamos nos relacionamentos à distância. No início, quando fui sozinho, foi um bocado complicado por causa do inglês, especialmente do "accent" britânico, que era difícil de perceber ao início. Depois uma pessoa vai-se habituando e foi uma experiência excelente, gostámos muito de lá estar. Mesmo a nível profissional foi uma experiência muito boa.

O que achou de Paulo Sousa?
Gostei muito de trabalhar com ele. Infelizmente ele saiu passados três, quatro meses, em outubro, os resultados não estavam a ser condizentes com a aposta que tinha sido feita, mas foi um treinador com quem gostei muito de trabalhar e que via que ia ter bastante sucesso.

Quem é que o substituiu?
O Eriksson, um treinador também marcante e já com uma história em Portugal e no Benfica. Lembro-me de falar com ele várias vezes sobre o Benfica, ele tinha adorado estar em Portugal e na altura acho que tinha uma casa em Cascais. Mas uma escola mais antiga do que a do Paulo Sousa, que tinha ideias diferentes, mais inovadoras. O Eriksson mais “old school”, se calhar com muito menos ênfase na parte tática do que tinha o Paulo Sousa, coisas mais simples. Mas o que é certo é que os resultados melhoraram e acabamos por quase entrar nos playoffs para o acesso à Premier League.

Adaptou-se bem ao futebol inglês?
Sim, apesar de não ser um central muito alto, acho que sou um central bom no jogo aéreo e com poder físico e por isso encaixou bem nas minhas características. Consegui mostrar o meu valor. No início da época tive uma ou duas lesões musculares que atrasaram um bocado a minha afirmação, mas acho que consegui fazer uma boa época.

Também gostou dos ingleses?
Sim. Se compararmos com os portugueses ou com os gregos, onde as pessoas são muito mais quentes, muito mais afáveis, aquela primeira impressão é diferente. Mas tinha uma pessoa que jogou comigo, o Moreno, que tinha vindo do Vitória de Guimarães e criámos uma grande amizade. Estivemos um ano juntos, nós e as nossas famílias. Morávamos no mesmo prédio e isso também ajudou a ultrapassar essa mudança. Passados seis meses, em janeiro, veio o Ricardo, o guarda-redes, e foi importante ter portugueses nesta primeira experiência fora. Lembro-me que jogávamos quase sempre ao sábado e à terça e depois do jogo de sábado jantávamos com o Moreno e a mulher e os adjuntos do Paulo Sousa e, mais tarde, com o Ricardo. Íamos sempre a um restaurante português que era frequentado por emigrantes, sentíamos muita falta da comida portuguesa. Quando não dava para ir jantar fora, fazíamos uns petiscos em casa.

Não ficou lá porquê?
Eles queriam ficar comigo, mas não chegaram a acordo de verbas com o Benfica, que pediu um bocado de dinheiro a mais do que eles estavam dispostos. E voltei ao Benfica.

Ainda era Jorge Jesus treinador e não jogou muito com ele.
Não, com ele, infelizmente não. Ao longo dos três anos que trabalhei com ele, não tive muita utilização. Tinha uma concorrência muito forte, o Luisão, o David Luiz, o Garay, tive sempre jogadores de grande qualidade na minha posição e acho que acabou por ser natural essa pouca utilização.

Há um período em que vai jogar para a equipa B, não é?
Sim, isso foi na última época no Benfica. O meu contrato estava a acabar, sabia que provavelmente ia sair. Eu também queria sair porque já vinha de dois anos em que estava a ser pouco utilizado e na altura fui mesmo eu que pedi para jogar na equipa B, para me dar ritmo competitivo, para a próxima experiência que fosse ter. Um jogador o que mais gosta é de jogar, de ver o seu nome na lista de convocados no fim de semana. Claro que estava contente por estar num grande clube como o Benfica, mas por outro lado não me sentia realizado, nem valorizado. Não me sentia importante para a equipa e senti que precisava de outra coisa para a minha carreira, por isso decidi que o melhor era sair do Benfica.

O Benfica queria renovar consigo ou não?
Queria. Também achei curioso porque não estava a ser muito utilizado nesses últimos dois anos, mas recebi uma proposta de renovação deles. Do clube só tenho coisas boas a dizer, mesmo depois de ter saído do clube, numa ou duas lesões que tive, foram sempre fantásticos comigo, estive a fazer a recuperação duas vezes no Seixal. Só posso dizer coisas boas, senti que gostavam de mim, o Rui Costa, o presidente, mas na altura falei com eles e com todo o respeito, precisava de outros desafios, de me sentir importante e acho que toda a gente percebeu essa minha decisão.

Já sabia que ia para o PAOK?
Sim. Comecei a falar com o PAOK mais ou menos em março/abril, quando eles demonstraram interesse. No final dessa época assinei contrato.

Vai para a Grécia com a sua mulher?
Sim, e com a nossa filha Laura, que já tinha um ano. E a Tânia estava grávida da Leonor, por isso foi uma grande mudança.

Assistiu ao parto das suas filhas?
Da Laura assisti, ela nasceu três, quatro dias antes de irmos para o estágio de pré-temporada na Suíça e consegui assistir. Da Leonor, infelizmente não, porque foi na altura em que estava na Grécia e a Tânia já tinha vindo para Portugal para os dois últimos meses de gravidez. A Leonor estava com um bocado de pressa para sair [risos]. Foi uma surpresa. Lembro-me que ia entrar no avião para Atenas, para jogar, e ela ligou-me a dizer que tinham rebentado as águas e que ia para o hospital [risos]. E eu sem poder fazer nada. Jogámos no dia seguinte e depois fui para Portugal. Ainda fui ter com elas ao hospital.
A Grécia superou as suas expectativas?
Superou. Foi um país onde gostámos muito de viver, onde as pessoas são muito parecidas connosco, bastante acolhedoras. O clube também providenciou todas as condições para nos sentirmos bem.

E ao futebol grego, também se adaptou bem?
Não é um futebol com grandes diferenças para o português, se calhar um nível abaixo do português, em qualidade, mas tinha três, quatro equipas grandes que eram muito fortes no campeonato. Adaptei-me bem, estive três anos muito bons no PAOK, em que fui sempre titular, fui sempre importante na equipa, que era o que eu procurava.

Era abordado na rua pelos adeptos?
Ah sim, sim. Na cidade eu ia a todo o lado, a um café, um restaurante, ia na rua e toda a gente me conhecia. Desde o miúdo até à pessoa mais velha. Salónica é uma cidade grande mas em que toda a gente vive um bocado para o clube. Eles têm dois clubes, o PAOK e o Aris. Toda a gente sabe quem são os jogadores e vibram muito com o futebol. Tive jogos incríveis. Há um com o Olympiacos, em casa, com grande espetáculo pirotécnico, está no Youtube, na altura naquele estádio acho que toda a gente tinha uma tocha e foi um ambiente incrível mesmo, muito quentes. São experiências que vão ficar para a vida.

Não tem nenhuma história para contar desses tempos?
A primeira experiência logo. Estou a vir de táxi com o meu empresário do aeroporto para o hotel, e passa uma rapariga de mota com o capacete enfiado no braço e ao telemóvel, de repente a polícia passa por ela e não a multa, nada [risos]. Ficámos a olhar um para o outro e a pensar: “aqui pelos vistos é tudo à vontade”. De facto, a polícia não ligava muito às infrações de trânsito, nem ao que se passava na rua. Era um povo bastante descontraído, que gostava de aproveitar o dia a dia, estar nos cafés, nos restaurantes e não se preocupava muito com o amanhã.

Qual foi o hábito grego que tenha agarrado logo? E pelo contrário, qual o costume ou o aspecto cultural com o qual nunca se identificou?
Gostava muito do café deles, o café frio, o freddo expresso. Foi um um hábito que apanhei, todos os dias bebia esse café. Uma que não gostasse tanto... Eles tinham muito uma mania que era estacionar em segunda fila. A primeira vez, alguém estacionou em segunda fila, atrás do meu carro, quando cheguei comecei a apitar, a apitar, mas não via ninguém. Passavam 10, 15 minutos, vem uma senhora e eu refilei: "Mas o que é que se passa? Deixou aí o carro e nem está aqui perto!". E ela apontou-me para o pára-brisas. Eu nem estava a perceber. Então, disse-me que tinha deixado um papel com o número de telefone, para quando eu chegasse ao carro lhe ligar para ela vir tirar o carro dela [risos]. Não faz sentido nenhum, eu nem sabia daquele hábito e lembro-me de ter ficado bastante chateado. Quando aconteceu novamente, eu já sabia e ligava: "Olhe pode cá vir tirar o carro que tem o seu carro à minha frente?" [risos]. Era assim que funcionava, mas foi uma coisa que no início me deixou um bocado chateado.

Teve vários treinadores nesses três anos, houve algum que o tivesse marcado mais?
Se calhar o Igor Tudor que tinha sido jogador da Juventus, central croata, jogou na minha posição. Trouxe um sistema tático diferente, que nunca tinha jogado antes. Meteu-nos a jogar com três centrais. Hoje em dia está um bocado mais na moda, mas na altura não era assim tão utilizado. Foi um treinador que foi importante pelo conhecimento que trazia da Juventus e do campeonato italiano.

Chegou a ser campeão com ele?
Infelizmente não consegui ser campeão pelo PAOK, é uma das mágoas que guardo da Grécia, não ter conseguido nenhum título. Perdi uma final da Taça e não conseguimos nunca ser campeões, foi sempre o Olympiacos. É uma mágoa que tenho porque via-se que os adeptos estavam muito ansiosos por serem campeões.

Como se dá a partida para Israel? Tinha mais anos de contrato com o PAOK?
Na altura acabava contrato com o PAOK. As coisas chegaram a estar bem encaminhadas para renovar, mas depois entrou um novo diretor desportivo e tivemos uma série de problemas com a renovação de contrato.

Que tipo de problemas? Por causa das verbas envolvidas?
Também. Mas nem foi tanto por causa de dinheiro porque eu ia ficar na Grécia com uma proposta bastante mais baixa do que vim receber depois em Israel. Acertamos tudo ao nível de valores, tinha acabado a época e eu fui para Portugal. O diretor desportivo perguntou-me se eu queria que ele enviasse uma pessoa com o contrato para eu assinar ou se eu queria ir à Grécia. Eu disse-lhe que já que estava de férias e eram só duas ou três semanas de férias, se pudesse mandar alguém a Portugal melhor, escusava de perder dois ou três dias para lá ir assinar. Ele disse OK, que ia enviar alguém. Qual não é o meu espanto, no dia seguinte foi a apresentação do novo treinador. Os jornalistas perguntaram pela minha renovação e ele disse que eu não ia continuar. Lá são mais duas horas do que em Portugal e lembro-me de acordar nessa manhã e de ter montes de chamadas e mensagens, sem perceber o que era.

Quando soube o que fez?
Fiquei mesmo passado da cabeça. Disse-lhe tudo e mais alguma coisa ao telefone. Foi uma coisa muito má porque se ele não quisesse continuar comigo podia ter-me dito, teve bastantes oportunidades para isso.

O treinador era o mesmo?
Tínhamos um treinador interino na altura, que continuou. Mas acho que não foi pelo treinador, cheguei a falar com ele. Não sei bem o que é que se passou exatamente, mas confesso que, eu que até sou uma pessoa bastante calma, fiquei bastante chateado e passei-me com aquilo tudo, pela forma como foi feito. Depois eu era um jogador livre e fiquei a ver o que é que aparecia. Lembro-me do meu empresário me ter proposto pela primeira vez Israel.

Qual foi a sua reação?
Tinha aquela imagem de que Israel era só conflitos e problemas de segurança por causa da faixa de Gaza, bombas, etc. E disse-lhe: "Não, Israel nem pensar. Vê-me outra coisa". Mas depois ele disse-me para falar com outros jogadores que já tinham estado lá. Falei com o Orlando Sá, que é meu amigo e estava no Maccabi Tel Aviv, falei também com o Bruno Pinheiro que já tinha jogado cá e ambos me falaram muito bem do país. Que era espetacular para viver, não era nada da imagem que passava em Portugal, que podia ir à confiança. E pronto. O clube também melhorou a proposta, tinha acabado de ser campeão, ia jogar o apuramento da Liga dos Campeões, foram tudo coisas que pesaram na minha decisão. Mas lembro-me que vim cá com a Tânia antes de assinar para conhecer um bocado o país e ver se era como me estavam a dizer. E já lá vão quase cinco anos.

Gostou logo de Israel quando aí chegou?
Na altura foi um pouco estranho porque cheguei numa sexta-feira que é o dia que equivale ao nosso sábado em Portugal. Ou seja, o sábado e domingo aqui são sexta e sábado. Eu cheguei às cinco, seis da tarde e não se vê ninguém na rua porque começa o Shabat. Lembro-me de estar na janela do hotel em Beer Sheva e pensar que parecia uma cidade fantasma. Ficamos assim um bocado.... Depois quando acabou o Shabat, no final de sábado, já vimos um ambiente diferente nas ruas, as lojas abertas e já deu para conhecer melhor. Mas tive outro episódio engraçado nesse sábado.

Conte.
Quando aterrei em Israel pela primeira vez, a minha mala não chegou. Só tinha a roupa que tinha no corpo, como cheguei na sexta-feira, estava tudo fechado até sábado à noite. Quando as lojas abriram, fui logo comprar umas mudas de roupa, até porque ia assinar o contrato no dia seguinte. E quando entro na loja vejo uma pessoa com uma metralhadora às costas a escolher roupa. Fiquei atrapalhado e até perguntei ao empregado se aquilo era normal [risos]. Também me lembro de estar num hotel e de ver um rapaz com uma metralhadora e de calções de banho e chinelos. Quando quis ir à piscina meteu a arma debaixo da espreguiçadeira e lá foi. Agora não me faz impressão nenhuma e sei o porquê de ser assim, são soldados e têm mesmo de andar sempre com a arma.

Quando chegou ao clube como foi o primeiro impacto?
Eles levaram-me ao estádio que era novo, um estádio médio, para 16 mil pessoas. Mostraram-me vídeos do ambiente e depois vi que era verdade, um estádio sempre cheio com um ambiente muito bom, a equipa também estava num momento muito bom, tinha acabado de ser campeã e as coisas corriam todas bem. É o único clube da cidade, então também é uma loucura, todas as pessoas nos conhecem nas ruas, nos restaurantes, cafés, toda gente pede uma foto, um autógrafo, deu para ver logo de início que o clube era quase como uma religião na cidade.

Mal chega é campeão. Aliás, foi campeão dois anos seguidos.
Sim, a primeira época foi muito boa, ainda por cima fui eleito o melhor jogador da Liga de Israel, um prémio que não é costume um defesa ganhar. Foi um momento marcante da minha carreira.

Tinha assinado por quanto tempo?
Por dois anos, mais um de opção. Entretanto já renovei duas vezes.

O que o leva a continuar a em Israel e no Hapoel Beer Sheva.
Tanto a nível desportivo como familiar sinto-me muito realizado. As minhas filhas andam na escola, sabem falar o hebraico, já têm aqui os seus amigos, sentem-se muito bem e dizem que querem ficar aqui mais tempo. Israel é um país muito seguro e tranquilo; acima de tudo é um sítio incrível para as crianças crescerem. Nós moramos num lugar espetacular, é tipo um condomínio com cerca de oito mil pessoas, onde há tudo: escolas, supermercados, clínicas, lojas... As minhas filhas brincam na rua com os amigos até anoitecer, os miúdos vão a pé para a escola e há um grande sentido de comunidade. Sinto que somos privilegiados por vivermos aqui. Também me sinto bem como jogador, sou o capitão da equipa, sinto-me muito acarinhado no clube e na cidade. São tudo coisas que contribuem para que continue. Já fui campeão duas vezes, no ano passado ganhámos a taça de Israel, o que me deixa feliz a nível profissional.

Também já fala hebraico como as suas filhas?
Algumas coisas. Percebo muita coisa, falar é mais complicado, é uma língua muito difícil. Mas se for a algum lado, as minhas filhas também me ajudam.

Pensa terminar a carreira aí ou gostava de pendurar as chuteiras em Portugal?
Vejo-me a terminar a carreira em Portugal. Já são oito anos fora de Portugal e confesso que começo a sentir algumas saudades do país. Mas no futebol nunca se sabe, provavelmente vou continuar aqui mais um ano, depois a minha filha mais velha passa para o 5.º ano e já é um ano mais complicado para se poder dar o ensino à distância como está a fazer a Tânia, que acompanha o programa português e dá as aulas em casa às nossas filhas.

Elas não estão numa escola internacional?
Não, porque aqui não há nenhuma. Estão as duas numa escola israelita.

Os israelitas são muito diferentes de nós e dos gregos?
É um povo que ao início se calhar... são mais desconfiados. Não dão confiança nas primeiras vezes, mas depois de conhecerem e de terem confiança, posso dizer que tenho grandes amigos aqui, que são pessoas que fazem tudo por ti e estão sempre disponíveis para ajudar no que quer que seja.
A propósito dos conflitos e do medo das bombas, alguma vez apanharam algum susto?
Nestes cinco anos só houve uma vez em que tivemos uma situação mais complicada, há dois anos, numa altura de conflito na faixa de Gaza. Nós estamos a 30/40 km. Aqui todas as casas têm um quarto que é uma espécie de um bunker, à prova de bomba. Se tocar o alarme de que foi disparado um rocket, temos 45 segundos para ir para esse quarto. E aconteceu aqui num dia, duas vezes que tivemos de ir para esse quarto. Foi um grande susto porque foi a primeira vez em todos estes anos que isso aconteceu. 

Como reagiram as suas filhas?
Elas estavam a dormir. Eu estava no sofá com a Tânia, eram umas dez da noite, e ficamos sem reação durante um segundo ou dois, ao início estávamos um bocado em pânico e sem perceber muito bem o que era, mas começámos a correr e foi cada um buscar uma delas e levamos para esse quarto. Em 90% dos casos não acontece nada porque esses rockets são destruídos pelas forças de defesa de Israel. Mas pelo sim pelo não, eles dizem que as pessoas têm de ir para esses bunkers. Foi um susto grande e confesso que nessa noite dormimos todos nesse quarto porque estávamos com receio que se pudesse voltar a repetir e estivéssemos a dormir e não ouvíssemos ou não tivéssemos tempo. As minhas filhas primeiro nem estavam a perceber porque estavam meio a dormir e também desvalorizamos, dissemos que estava trovoada lá fora. Depois com calma é que expliquei, porque eles também falam disso na escola e têm simulacros. Elas encaram com mais normalidade do que eu.

Esse quarto tem o quê?
Basicamente o quarto é todo em betão. Tem uma janela, em que do lado de fora tem uma parte em aço que dá para fechar nessas alturas. Cada um pode fazer o que quiser desse quarto. Há pessoas que, como tem janela, fazem de quarto para dormir. Nós fizemos desse quarto uma espécie de sala de estudo. É onde a Tânia dá as aulas. É um quarto normal só que as paredes são feitas em betão. Até tive um episódio caricato porque na altura em que chegamos eu queria pendurar um quadro para as aulas delas. E quando fui pregar o prego na parede o prego entortou todo e só depois é que pensei: "O que é que estás a fazer? Isto é aço" [risos].

Faço a mesma pergunta que fiz em relação à Grécia. A que habito se habituou mais facilmente aí em Israel, e pelo contrário qual é o costume a que não se consegue habituar de maneira nenhuma?
À sexta-feira, no shabat eles têm o costume de juntar toda a família e alguns amigos e muitos amigos me convidam às sextas-feiras para ir a casa deles e juntar-me à família. Eles fazem uma reza para benzer o pão e o vinho que se vai beber nesse dia. Eles têm outro costume engraçado que na primeira vez achei muito estranho. Quando cheguei ao hotel, numa sexta-feira, abriu um elevador e eu ia entrar e o diretor do meu clube disse para eu não entrar naquele porque era o elevador do shabat. Não estava a perceber. E afinal tem a ver com uma tradição religiosa também. Os mais religiosos à sexta-feira, a partir das 18h, até sábado às 19h, não tocam em aparelhos eletrónicos, nem televisões, luzes, nada. Como não podem chamar o elevador, então aquele elevador pára em todos os pisos do prédio. Se tivesse entrado naquele elevador ia demorar um bocado até chegar ao 10.º piso que era para onde íamos [risos]. Tenho colegas de equipa, um ou dois só, que sexta e sábado nem utilizavam telefone. E como não podem conduzir também nesses dois dias, moravam perto do estádio, para quando jogávamos ao sábado.

E da comida, gosta?
Confesso que gostava mais da comida grega. A comida aqui tem muitos molhos, muitos picantes e eu não sou muito adepto disso, gosto mais dos grelhados e da comida mediterrânica mais parecida com a nossa. Recordo-me que no dia em que aterramos, fui convidado para ir jantar a casa do team manager da minha equipa. Estávamos na conversa, ele falava-me um pouco da história do clube e eu meti à boca uma malagueta a pensar que era um pimento. Aqui, as malaguetas são diferentes, maiores. Fui à campeão, mas fiquei com a boca a arder, porque não quis que se apercebessem [risos].

Já pensou no que quer fazer depois de deixar de jogar?
Vou pensando. Mas sinceramente não sei o que vou fazer. A minha ideia será tirar se calhar um ano para pensar um bocadinho e viajar. Estou indeciso sobre o que vou fazer e quero também ver se vou sentir a falta do futebol ou não.

Tem alguma meta para deixar de jogar?
Não. Quero continuar enquanto me sentir bem fisicamente para jogar, mas não quero andar a arrastar-me em campo. Não tenho nenhuma meta. Não sou um jogador capaz de criar muitos objetivos a longo prazo. Deixei a minha carreira andar ao sabor de como me ia sentindo. Daí nunca ter mudado muitas vezes de clube. Está tudo em aberto.

Passou por quatro ligas diferentes. A qual delas se adaptou melhor?
Se calhar a liga inglesa um bocado diferente, um jogo mais físico, um futebol mais direto, mas as outras três, apesar de níveis diferentes, é um futebol onde me enquadrei bem, não tenho nenhuma que diga que me adaptei melhor, acho que sou um jogador que me consigo adaptar a vários estilos.

Onde ganhou mais dinheiro?
Em Israel.

Investiu em quê?
Em imobiliário e produtos financeiros. Neste momento eu e a Tânia temos uma empresa, o SAD, serviço de apoio domiciliário a pessoas idosas e doentes, em Portugal. A Tânia é que tem a gestão disso. É um projeto dela que começamos há quase quatro anos.

Qual foi a maior extravagância que fez?
Não sou muito de extravagâncias, se calhar onde sou capaz de perder mais a cabeça é em férias. Nós adoramos viajar e conhecer lugares novos, aliás é das coisas que mais sinto falta nesta pandemia.

Que local mais o deslumbrou até hoje?
Gostei muito do México e do Dubai, mas desde que cheguei a Israel há um sítio que adoro ir: à Jordânia. Já lá fomos muitas vezes, mas lembro-me que a primeira foi especial. Tínhamos chegado há pouco tempo... Fomos de carro até à fronteira do sul de Israel e pensámos que podíamos passar com o carro, tal como fazemos na Europa. Mas claro que não. Tivemos de deixar o carro no parque e de fazer a travessia a pé. Os poucos carros que passam de Israel para lá têm de mudar a matrícula na fronteira e, por razões de segurança, ficam com matrícula jordana. Demoro duas horas e meia até à fronteira e costumamos lá ir na paragem para as seleções. Além das praias, tem Petra e Wadi Rum, um deserto que vale a pena conhecer. Israel também é um sítio fantástico para visitar. Costumamos receber muitas visitas que saem daqui muito contentes com o país. Vamos também ao Mar Morto, um dos nossos locais preferidos em Israel, a 45 minutos de casa e paragem obrigatória quando recebemos amigos portugueses.
Tem algum hóbi?
Não. Deixei de ter tempo para a PlayStation desde que nasceram as minhas filhas, por isso, nem isso. Gosto de seguir a NBA, sobretudo os Lakers que é a minha equipa preferida. O Kobe Bryant infelizmente já não está entre nós, mas foi sempre o meu jogador preferido. Também gosto de ciclismo. 

Tatuagens?
Tenho apenas uma muito pequena que fiz com a Tânia na altura em que nos juntámos. Mas fica entre nós [risos].

É um homem de fé?
Sim, mas não praticamente.

E superstições, tem?
Apenas a de entrar com o por direito em campo.

Qual foi o adversário mais difícil que encontrou pela frente?
Lembro-me de jogar contra o Agüero na altura em que estava no Benfica e ele no Atlético de Madrid. E também no meu primeiro jogo da Liga dos Campeões pelo Benfica jogamos contra o Milan e o Kaká também foi um adversário bastante complicado.

Pratica algum desporto além de futebol?
Não. Gosto de jogar nas férias ténis, mas é só mesmo nessa altura. Qual a maior frustração na carreira? Se calhar não ter conseguido chegar à seleção A. Só fui até aos sub-21. Faltou esse passo.

Momento mais feliz na carreira?
Difícil escolher um. Desde a estreia pela equipa principal até ser campeão pelo Benfica, e os títulos que consegui em Israel. O facto de ter sido capitão em todos os clubes por onde passei a longo prazo: Benfica, PAOK e Hapoel Beersheva. Quando era miúdo, tinha o sonho de ser capitão do Benfica pela equipa sénior e sagrar-me campeão nacional. É com orgulho que posso dizer que cumpri os dois.

E o mais triste ou mais difícil?
Tive uma final da Taça perdida pelo PAOK e também aquela fatídica semana do Benfica no meu ultimo ano lá, em que perdemos tudo. Perdemos a Liga Europa, Campeonato e Final da Taça. Foi uma semana complicada.

Qual o clube de sonho onde gostava de ter jogado?
Real Madrid.

Quais foram as maiores amizades que fez no futebol?
Alguns jogadores da formação do Benfica, é um grupo que ainda se mantém hoje, e já mais tarde o Ruben Amorim, Nuno Gomes, o Quim, Luís Filipe. Criamos uma relação especial e ficamos com uma amizade para sempre. O Moreno, o Josué, o David Simão também.

Como benfiquista custa-lhe ver o Rúben Amorim à frente do Sporting?
[risos] Custam, custa. E já lhe disse que ele me faz ficar contente com as vitórias do Sporting [risos]. É um sentimento misto.

Para quem está há tantos anos fora e segue o campeonato português, que opinião tem?
Acho que foi importante este ano a intromissão do Sporting entre o Benfica e o FC Porto que andavam sempre em luta nos últimos anos. É importante para o campeonato português ter o Sporting a bom nível e a lutar por títulos. E o Rúben conseguiu trazer novamente o Sporting a essa luta. Deixa-me um bocado triste no futebol português falar-se menos de futebol e mais do que se passa fora das quatro linhas. Isso entristece-me.

Quando jogou ao lado do Rúben Amorim imaginava que ele viesse a tornar-se treinador?
Na altura não conversávamos sobre isso. É sempre difícil de prever. Mas ele como jogador já tinha uma leitura de jogo muito boa, muito bom taticamente, ele fazia varia posições, às vezes até brincávamos com ele sobre isso, de ele fazer muitas posições. E via-se que era um jogador que tinha uma cultura tática muito grande e que percebia muito do jogo em si. Ele também apanhou treinadores muito bons ao longo da carreira, foi aprendendo e isso contribui para o seu sucesso enquanto treinador.

Tem algum talento escondido?
Acho que não [risos].

A sua mulher disse numa entrevista que é o homem dos petiscos...
Não sei se é um talento. De vez em quando sim, faço umas coisas. Como fui viver sozinho muito novo, fui melhorando e aperfeiçoando.

Quais são os seus petiscos mais apreciados?
Se calhar as amêijoas à bulhão pato, um camarão e um pica-pau."

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