"Ainda faltam duas semanas para a retoma da Liga mas sente-se já a poeira que anda no ar, trazida por palavras que espalham a desconfiança e agitam a suspeição
A cartinha que resolveu enviar ao Presidente da República, solicitando-lhe, pelo que consta, que intercedesse junto das operadoras no sentido de aceitarem a transmissão de jogos da Liga em canal aberto, foi apenas o último problema que Pedro Proença arranjou desde que decidiu interromper o campeonato sem se dar ao cuidado de abordar o caso com elas ou, no mínimo, ter a elegância de informá-las do facto consumado e dar-lhes as necessárias explicações antes da notícia ser pública.
No desejo de tornar-se o actor principal em todo o processo, foi ziguezagueando para não perder o equilíbrio e retardar até ao limite do possível o trambolhão anunciada. Era uma questão de tempo. A missiva dirigida a Marcelo, na sequência de outras tendo por destinatários membros do Governo, foi apenas a gota que fez transbordar o copo. Não lembraria nem ao Diabo procurar envolver a primeira figura de Estado em tema menor e, ainda por cima, que o tivesse feito, mais uma vez, sem sujeitar a sua magnífica ideia a uma discussão prévia com quem se julgava no direito de ser informado. Se bem percebi, a direcção da Liga.
Pedro Proença diz entender mal a reacção que a sua atitude suscitou e respaldou-se na posição antes assumida pelo secretário de Estado de Juventude e Desporto, o qual também admitira a solução de abertura de transmissões televisivas, de modo a evitar ajuntamentos em cafés, restaurantes e outros espaços comerciais. O governante em causa pode ser muito hábil noutras tarefas e noutras áreas, mas no exercício específico das funções para que foi eleito, enfim, o ainda presidente da Liga só por ingenuidade imperdoável terá tomado como boa a comparação que se lembrou de apresentar em sua defesa.
Marcelo sem sequer leu a cartilha, pois claro, e o caldo entornou-se, não só pelo atrevimento do remetente, mas também pela trapalhada que deve ter incomodado as administrações das operadoras por causa do défice de contenção revelado por quem se deixou trair pelo seu excesso de entusiasmo.
Vejo em Pedro Proença uma pessoas inteligente, educada, cortês e que sabe pensar, mas a solidão perturbou-se e retirou-lhe a capacidade de reflectir, procurar apoios e delinear uma estratégia segura e que a protegesse de uma constipação à primeira corrente de ar. O acordo com transmissões em canal aberto deveria ter sido tratado nos locais próprios. Não sei se alguma abordagem foi feita, mas partindo do princípio que sim não me custa acreditar que todas as operadoras, até por respeito aos seus assinantes, terão destacado a inoportunidade da sugestão, que também tem motivado discussão em Inglaterra, por exemplo, sem progressos significativos.
O calendário está concluído e creio que houve a preocupação de retirar os jogos de FC Porto e Benfica dos fins-de-semana, pois só na jornada 30 a águia recebe o Boavista, no sábado, e o dragão o Belenenses, no domingo.
Nas restantes, os dois candidatos ao título jogam a meio da semana e em dois horários, apenas com uma excepção, o Marítimo-Benfica, às 18 horas, sempre depois das sete da tarde ou das nove da noite. Prevaleceu esse cuidado e as aglomerações,que até ao momento a população em geral tem sabido evitar com sábia prudência, a ocorrerem, não passarão de atropelos isolados, sobretudo no exterior dos estádios, e promovidos pela estupidez das claques, mas sem nenhuma relação com o facto de os jogos serem transmitidos em canal aberto ou pago.
Voltando a Pedro Proença, e como a coerência não é uma das características da classe dirigente, vou seguir com interesse as cenas dos próximos capítulos, para ver o que irá acontecer na assembleia geral de 9 de Junho: se ela aprovará ou não a sua saída e independentemente da deliberação que vier a ser tomada qual será a atitude do ainda presidente da Liga. Isto é, se aceita continuar a servir de bola neste pingue-pongue de interesses ou se, tomando consciência dos erros que cometeu (só não erra quem são decide), agradece a confiança nele depositada e vai à sua vida.
Poderá parecer uma saída cambaleante, mas de cara levantada. Porque se adivinham tempos muito complicados que podem obstruir o imenso esforço que está a ser desenvolvido para se completar o campeonato com a normalidade possível, dado ser no mês de Maio que começa a época dos nortadas e acaba a época dos futebóis. A diferença é que, por força das exigências da pandemia, este ano vão conciliar até ao final de Junho, o que nada, mesmo nada, indicia de tranquilizador.
O confinamento obrigatório foi sufocante e apesar de ainda faltarem duas semanas para a retoma sente-se já a poeira que anda no ar, trazida palavras ditas escritas que espalham a desconfiança e agitam a suspeição. O costume, tal como convém a quem aprecie este tipo de comunicação feito de frases suspensas, usual em ambiente de cabaré do antigamente: todos fazem de contam que se entendem, sem ninguém se comprometer. Assim nascem os boatos..."
Fernando Guerra, in A Bola
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