"Primeira final da Taça de Portugal com este nome. Foi jogada nas Salésias, perante mais de 30 mil pessoas, e o Benfica esteve lá. Saiu derrotado pela Académica, por 3-4, mas os seus jogadores não perderam a grandeza. Exibiram uma profunda demonstração de carácter.
Pelas ruas, malta atrevida cantava:
'São horas de emalar a trouxa
Boa noite, tia Maria
Que a Briosa ganhava a Taça
Obrigado! Já cá se sabia!'
Farronca, claro está. Estavam bem longe de saber, com antecedência, o resultado do jogo das Salésias. Que foi rijo e disputado como poucos.
Primeira final da Taça de Portugal. Com este nome, pois então, antes era o Campeonato de Portugal.
Formidável enchente!
Houve adjectivos para usar e deitar fora nesse confronto entre Benfica e Académica.
Nas meias-finais, FC Porto e Sporting tinham ficado pelo caminho. Os portistas eliminados pelos lisboetas com aquele célebre volte-face de 1-6 para 6-0. A presença dos estudantes não deixava de ser uma surpresa. Mas que belíssima equipa tinham. Fantástico élan atlético e maravilhosa alegria moça. Mais adjectivos.
Entrada em campo às 18h10 do 25 de Junho de 1939.
Pontualmente. Estudantes com capas pelos ombros, vestimentas negras. Benfiquistas vermelhos como papoilas.
Ministro da Educação, Carneiro Pacheco, presidente da Assembleia Nacional, director da Federação Portuguesa de Futebol: todos descem ao relvado para cumprimentar os jogadores. O momento é solene.
Depois erguem o braço na saudação fascista, que muitos chamavam de olímpica. O momento é triste.
Os encarnados têm especial esperança no labor de Rogério, Espírito Santo e Valadas. Tibério, o guarda-redes que veio de Coimbra, está pronto para tudo.
O entusiasmo vai crescendo como se não coubesse no peito de toda aquela gente misturada. Quando o árbitro António Palhinhas, de Setúbal, manda rolar a bola, ouvem-se gritos por toda a parte. Lá no fundo são muito poucos os que crêem no sucesso dos academistas.
Um dos que mais acreditavam era José Maria Antunes, que viria a ser, mais tarde, seleccionador nacional: 'Eu era o capitão da equipa e garanto que não estávamos nervosos. Até fizemos uma homenagem ao massagista Manuel Marques com uma condecoração de plástico porque ele tinha medo de que, no final, houvesse só 11 medalhas'.
Uma luta sem quartel
Ao contrário do que era previsível, o Benfica não toma conta dos acontecimentos. Francisco Ferreira, o enorme Francisco Ferreira, ergue-se como uma montanha vermelha de orgulho e honra e exige mais empenho dos seus companheiros. O futebol dos estudantes é mais estudado, e o termo vem a calhar.Troca de bola constante, obrigando o adversário a correr atrás dela, num instante já um ou outro andava com a língua pendurada à altura do peito.
Mas Valadas é um veneno. Veloz, foge pela direita, tira um centro perfeito, e Rogério conclui: 1-0.
Bandeirinhas encarnadas tremulam ao vento.
Pimenta fez o empate, pouco depois, num pontapé que levava lume. Martins desespera-se.
Tanta a tanta gente viera de Coimbra. Tanta e tanta gente viera de todos os lugares de Lisboa, porque quem passou por Coimbra e pela Universidade não deixará nunca de ter um lugarzinho no coração para esse clube diferente.
Logo no primero minuto do segundo tempo, Pimenta voltou a fazer o gosto ao pé. Os benfiquistas estavam baralhados. Procuravam reunir o pelotão, não se deixaram abater pelo infortúnio.
Rogério imitou Pimenta no minuto que se seguiu: 2-2.
Que poderiam querer os mais de 30 mil que enchiam as Salésias de melhor? O espectáculo tornou-se tão intenso, que não dava descanso aos olhos, quanto mais aos nervos.
Um erro de João Correia, ao tentar atrasar a bola para Martins, dá a hipótese a Arnaldo Carneiro de se antecipar e fazer o 2-3.
Nota-se que, fisicamente, os coimbrões estão melhor.
O Benfica cai abruptamente e paga caro por isso. Correia volta a atrapalhar-se e Arnaldo Carneiro volta a aproveitar. Dois golos de vantagem dão a sensação de serem decisivos.
Os homens das camisolas de sangue não desistem. Sentem na alam que a crença não passa disso mesmo e que as pernas e as cabeças não obedecem aos ditames de coração. Mas não viram a cara à luta. Sentem a dignidade a que a águia que trazem desenhada no peito os obriga. Não se joga no Benfica por acaso.
A quinze minutos do fim, Brito reduz para 3-4. Haverá ainda tempo? Haverá ainda discernimento?
Valadas e Tibério têm duelos rudes. A esperança esboroa-se no momento em que Gaspar Pinto é obrigado a sair, lesionado. Com dez apenas, o pundonor dos encarnados já não basta. Saem derrotados da primeira final da Taça de Portugal com esse nome, mas sem motivos para baixarem as cabeças. Pelo contrário. Deixaram em campo litros e litros de suor.
Os estudantes demandam os cafés, as tascas, as ruas da capital. Dão largas a uma alegria tão legítima como esfuziante. Muitos misturam-se com adeptos do Benfica numa demonstração de desportivismo maravilhosa. Ninguém pode estar perto da grandeza sem saber perder. É uma indiscutível demonstração de carácter."
Afonso de Melo, in O Benfica
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