"«Anda a ler livros de estratégia?
- Eu? Nunca! Todo o meu planeamento é improvisado»
Uma, só uma, apenas uma
- É um poliglota.
- Sim?
-Diz banalidades em montes de línguas diferentes.
- Isso é excelente.
- Sim. Inglês, francês, italiano, alemão e uma outra língua que ninguém até hoje identificou.
- Diz, portanto, banalidades em montes de línguas diferentes.
- Sim. Em vez de aprender qualquer coisa para dizer, não aprende nada.
- Nada?
- Nada. Não sabe nada de matemática, geografia, economia, ciências sociais e humanas, história, arte, ciência, engenharia arquitectura. Uf, etc. Não sabe nada de nenhuma ciência humana, nem de nenhuma ciência dos mamíferos em geral.
- Percebi.
- Só aprende línguas.
- É de louvar esse esforço.
- Tem uma única ideia, umazinha. Mas consegue dizê-la em inglês, francês, italiano, alemão e numa outra língua que ninguém até hoje identificou.
- Muito bem.
Planeamento moderno - uma ideia
- Quer que eu lhe diga uma coisa? Quer ouvir?
- Sim, excelência.
- É preciso reagir à derrota com uma vitória!
- Que bela ideia! Como é que vossa excelência se lembrou disso?
- Não sei. Saiu-me.
- Anda a ler livros de estratégia?
- Eu? Nunca! Todo o meu planeamento é improvisado.
- Sim?
- Sim. Absolutamente improvisado. Aliás, veja se gosta deste título.
- Título?
- Sim, título: para a eficácia de um planeamento improvisado.
- Gosta?
- É inovador. Perturbante, instigante. Enfim, como é que vossa excelência se lembrou desse título?
- É o título de um livro que tenho aqui na minha cabeça.
- É o melhor dos sítios para ter um livro. Talvez o melhor dos sítios para ter esse livro especificamente.
- Este?
- Sim, esse especificamente.
- Na cabeça?
- Sim. Não o tire cá para fora. Seria uma pena vossa excelência tirar o seu livro da cabeça e colocá-lo no mundo; seria um desperdício, parece-me.
- Desperdício?
- Mantenha-o privado. Um livro privado eis no que vossa excelência deve apostar, sem reservas.
- Está a gozar comigo, não está?
- Estou apenas a divertir-me na sua companhia? Não leve a mal.
- Pois. Mas é isso mesmo. Não gosto de pensar no planeamento antes.
- Antes de quê, excelência?
- Antes de as coisas aconteceram.
- Então planeia quando? Depois das coisas acontecerem?
- Não, nunca, isso também é tarde.
- Sim, um pouco.
- Gosto de planear, por assim dizer, perdoe-me a expressão, gosto de planear em cima do acontecimento.
- Isso não será tarde também?
- Nada disso.
- Não?
- Nem tarde, nem cedo. É pontual. É no momento exacto. Opsssss!
- Caiu, excelência?
- Uff, ia-me partindo todo. Viu?
- Vi. Mas diga-me. Isso é uma estratégia ou é uma queda? Desculpa-me a pergunta.
- As duas coisas. Quando vossa excelência cair, disser que aquilo não é uma queda mas uma estratégia vai ver que muitos vão acreditar.
- Acha?
- Sim. Os homens creem muito mais no futuro do que naquilo que está à frente dos seus olhos agora mesmo.
- E em vez de o assobiarmos pela sua queda vão aplaudi-lo pela sua estratégia. É isso?
- Isso.
- Mas o facto é que, sendo estratégia ou não, vossa excelência, depois da queda que deu, ficou, por assim dizer, absolutamente esparramado no chão. O que não é agradável.
- Pois não.
- Portanto, quando vossa excelência cai, diz, de imediato, sorrindo: amigos, não se assustem, isto é uma queda planeada.
- Planeei esta queda imprevista de uma forma atenta e meticulosa. Eis a boa formulação.
- Planear uma derrota súbita de forma detalhada.
- Isso mesmo, excelência, isso mesmo.
- Aponte com muita força para o futuro se quer que os outros não reparem no presente.
- Isso, excelência, é uma estratégia a sério.
- Eu não caí; eu estou é a levantar-me. É bem diferente.
- Que belo lema!
- E como era mesmo aquela sua ideia forte?
- É preciso responder a uma derrota com uma vitória!
- Isso mesmo. Que ideia linda! Em quantas línguas sabe dizer isso?
- Uhhh, muitas!"
Gonçalo M. Tavares, in A Bola
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