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terça-feira, 23 de abril de 2019

Foguetes de fogo-fátuo

"O primeiro jogo do Benfica na Alemanha para as taças europeias teve lugar em Nuremberga. A temperatura desceu aos 8 graus negativos. O campo cobriu-se de neve. Os alemães ficaram eufóricos com a vitória do seu campeão 3-1. Em Lisboa, foi desmembrado sem piedade e perdeu por 6-0.

Nuremberga: eis uma cidade imponente. Tem aquela faceta sinistra mas com muito de fascinante de ser o local dos grandes comícios do Partido Nacional Socialista de Adolf Hitler. E, por causa disso, escolhido pelos Aliados para sede dos que ficaram precisamente conhecidos por Julgamentos de Nuremberga.
A norte fica a Knoblauchland: A Terra do Alho. Mas este pormenor vem só por chiste.
Sabem qual é uma das alcunhas de FC Nuremberga? 'Die Ruhmreiche': O Glorioso. Malhas que a coincidência tece.
Em 1961, o Nuremberga foi campeão da Alemanha. Era uma equipa forte. Logo no ano seguinte falhou a repetição do título por um triz. Mas venceu a Taça.
Tinha jogadores fisicamente potentes e tecnicamente interessantes, como Flafheneker e Morlock, Wenauer e Strehl.
Nos quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus de 1961-62 caíram no caminho do Benfica. Primeiro jogo na Alemanha.
O Benfica nunca tinha jogado na Alemanha.
Estavam 4 graus negativos no dia 1 de Fevereiro de 1962.
O campo duro, gelado, coberto de neve. E, no entanto, o público arrostou o clima desgraçado. Quase 50 mil pessoas encheram as bancadas por completo.
O nome do Benfica atraía multidões. Era um caso raro de popularidade mundial. Com as suas estrelas vestidas de vermelho cintilante sobre a brancura da neve: Águas, Coluna; Simões, Germano, Coluna...
Mas Eusébio não estava lá.

Um golpe duro no final
As águias patinavam no rectângulo gelado.
Desde o primeiro minuto que a desvantagem foi notória. Costa Pereira teve de arregaçar as mangas. Enfim, é uma força de expressão: alguém arregaçava mangas com um frio daqueles?
Cruz impõe-se na defesa. Não tem medo da envergadura física dos adversários. O Cruz era assim. Não quebrava nem torcia. Era de uma valentia impressionante.
De súbito, a classe do Benfica fez a diferença. Cavém surge solto junto da entrada da grande área de Wabra, chutou com violência. O guarda-redes germânico defende à primeira mas a bola fica a jeito da recarga. Estavam decorridos apenas 9 minutos: tudo parecia fácil para o campeão da Europa.
Engano terrível!
O Nuremberga avança as suas linhas como um exército treinado para uma batalha decisiva.
O jogo começa a disputar-se no meio-campo dos lisboetas.
Pouco antes da meia hora, Flafheneker remata com uma convicção que casou por conveniência alemã com a convicção de Costa Pereira. O avançado estava convicto do golo; o keeper convicto de que a bola iria para fora. Fiou-se no golpe de vista, diriam os comentadores radialistas. Era o empate.
E Muller faria o 2-1 poucos minutos depois.
As coisas complicavam-se.
Mas os encarnados reagem com firmeza. Durante longos minutos os golpes e contra golpes sucederam-se com um denodo apreciável. Simões estava endemoninhado, criava problemas em série aos defesas alemães, mas a defesa benfiquista cometia, por seu lado, erros pouco habituais.
O público aquecia à medida que a temperatura descia de forma vertiginosa. Chegou aos 8 graus negativos.
Não se pode dizer que, na perspectiva dos portugueses, o resultado fosse mau. O Inferno da Luz estava habituado a reduzir campeões à vulgaridade.
Mas, a cinco minutos do fim, num movimento rápido, Flafheneker ganha espaço para o pontapé, e a bola passa por debaixo do corpo de Costa Pereira. A diferença de dois golos complicava o assunto. Numa euforia desmedida, o Nuremberga Zeitung escrevia: 'O Nuremberga deu uma lição de futebol ao Benfica. Varreu virtualmente do campo os portugueses e criou, assim, uma excelente posição de partida para o jogo de Lisboa. A actuação dos seus jogadores foi tremenda!'
Não costumam ser os alemães gente dada a euforias desbragadas. Nem tinham razão para isso.
Quinze dias depois, no Estádio da Luz, o campeão alemão foi desmembrado sem piedade: 6-0 para o Benfica.
Os campeões encarnados eram feitos de uma fibra sem igual."

Afonso de Melo, in O Benfica

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