"Foi a teste, ao Chalana chumbaram-no, a ele não; Pior do que a marreta era o fumo e o Benfica tirou-o de lá
1. Nasceu na Moita, em Janeiro de 1958. Aos quatro anos, o pai deu-lhe equipamento de futebolistica. Faltavam-lhe as chuteiras, chorou por elas - e o padrinho, adepto do Belenenses, pediu a um vizinho sapateiro que lhe fizesse umas à medida dos pés, custaram-lhe 40 escudos.
2. Na escola primária na Moita, na Telescola em Alhos Vedros, no liceu no Barreiro, foi-se notando, cada vez mais, o «dom para a bola». Não deixou, porém, de se embrenhar também no ténis de mesa, no bilhar, no hóquei em patins - e de sonhar «ser forcado».
3. Sempre fora bom aluno, de súbito começou a faltar à escola - e chumbou. Para evitar reprimendas (ou pior) do pai que o imaginava doutor ou engenheiro, aos 13 anos empregou-se numa tipografia, em Lisboa, sem dizer água vai em casa. Tinha de se levantar de madrugada, apanhar o barco das 6 e meia para estar em ponto no oficina e não lhe sobrava tempo para o futebol vadio na Moita, a imitar Damas ou Peres, os seus ídolos (e todos os sabiam por lá: era do Sporting).
4. O trabalho foi-se-lhe tornando suplício pelo que o pai, que era operário na CP, juntou empenhos para que entrasse na companhia como aprendiz de serralheiro. Entrou - e estudando à noite, galgou no curso da escola industrial, pelo que, logo depois, de aprendiz saltou a oficial de segunda.
5. Foi a teste ao Barreirense, desolado ficou quando lhe disseram que voltasse na semana seguinte. Não voltou, tentou a CUF, onde até já jogara hóquei. Nesse dia treinou-se com Chalana, que foi chumbada (!) - ele não: encantou o prospector. Não tardou que Abalroado, seu treinador, se pudesse fascinado - e convencesse os demais a promoverem-no à primeira equipa da CUF. Quando se estava na iminência disso suceder - contra o Barreirense sofreu lesão grave, que o atirou para quatro meses no estaleiro.
6. Portugal entrou no PREC, à CUF entrou em agonia. Recusaram-lhe os 10 contos por mês que lhe tinham prometido pela passagem a sénior. Amargurado, tratou de escolher outro caminho - e Manuel Oliveira levou-o para o Barreirense (que, sem pestanejar, lhe deu os 10 contos).
7. Em finais de 1978, sabendo que Sporting e FC Porto estavam na corrida por ele, emissários do Benfica contrataram-no em operação relâmpago. Pouco antes, desvendara-o em A Bola: «Nove horas por dia a malhar nas rodas do comboio com uma marreta de oito quilos nas mãos talvez seja explicação para a tal força de que vocês falam, mas o fumo da forja anda a dar cabo de mim, aí se eu fosse profissional com outros...»
8. Mal chegou à Luz percebeu-se que estava destinado à eternidade. Aliás, só Lajos Baroti não compreendeu num ápice a importância do seu génio, do seu carisma. Eriksson viu-o, num fogacho - e o resto é o que se sabe: a final perdida da Taça UEFA, o fulgor no Europeu de França. 4 campeonatos, 5 Taças - e uma delas, a que o Benfica ganhou, entre polémica, nas Antas saiu de mais um histórico pontapé seu...
9. Não, no Europeu de França não foi só furor. Antes do Portugal - Roménia, a guerra entre portistas e benfiquistas atingiu climax. Anunciaram-no como suplente, mas à última hora Cabrita decidiu que era ele que jogava e não Jaime Pacheco. Dorido, lamentou-se, depois: «António Morais não queria que eu jogasse para beneficiar jogador que ele treinava. Até admito que o Jaime tivesse merecido jogar, grave foi o senhor Morais não ter ido à palestra, pelo que eu e outros sentimos que ele não era bem português, afinal».
10. Com sublime pontapé seu apurou-se Portugal para o Mundial do México. Levou consigo para lá o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa - e, em Saltillo, tornou-se peça nuclear na luta dos jogadores pelos seus direitos. Marcou o golo com que Portugal bateu a Inglaterra de Bobby Robson, o prémio pela vitória: 100 contos - deu-o uma instituição de caridade. No rescaldo de Saltillo recusou jogar na selecção, enquanto Silva Resende fosse presidente da FPF - e cumpriu, sagrado, a promessa (foi dos poucos que o fizeram). Depois, sentiu-se escorraçado da Luz, denunciou terem-lhe dado no Benfica 5000 contos para não rejeitar a transferência para o Sion - e foi lá que Jorge Gonçalves o foi buscar como uma das unhas do «leão bravo» que sonhara..."
António Simões, in A Bola
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