"Ponto prévio. O texto está nos rascunhos há algum tempo. Bem antes de Silas ir pontuar à Luz, num jogo em que mantendo sistema, alterou posicionamento da linha média (mais próximo de um quadrado que linha) e com isso impediu o Benfica de criar de forma sistemática. Quem tudo muda, não está a ser estratégico. Está na verdade a ser o oposto do que deve ser a estratégia. Mudar a matriz táctica é mudar o modelo, mudar a identidade. Não é isso que é a Estratégia que marca uma nova era pela mente dos mais inteligentes.
Há sensivelmente um ano atrás, Bruno Lage partilhou com o Lateral Esquerdo a forma como a equipa técnica do Sheffield de Carlos Carvalhal orientava o seu trabalho semanal (vale muito a pena ver aqui com vídeos de observação de adversário, do modelo e do processo de treino)
A nossa preocupação consiste sistematicamente na evolução do nosso jogo e são as nossas ideias que orientam a planificação ao longo dos dias e das semanas.
Nesse planeamento semanal e, consequentemente diário, a organização dos conteúdos de treino são designados em relação directa com a evolução do nosso jogo e as características do próximo adversário, em função da estratégia eleita e, simultaneamente, estabelecendo uma relação própria entre o esforço e a recuperação.
Em função da informação recolhida da análise de desempenho, e na análise do adversário e, tendo em linha de conta, as considerações estratégicas que possamos eventualmente utilizar, idealizamos os nossos exercícios.
Há três anos atrás, referia-me à grande tendência, que continua crescente no futebol actual, como imperativo para vencer jogos em contextos competitivos equilibrados ou perante adversários mais complicados.
Na actualidade, para se vencer qualquer um dos três grandes, há que conseguir combinar três factores absolutamente decisivos. Bastará a exclusão de um dos, para que as hipóteses de tal suceder se minimizem praticamente a zero.
– Modelo de Jogo. Um modelo bem estruturado. Pensado e que consiga garantir mínimos de qualidade nos posicionamentos em cada momento do jogo;
– Estratégia. Adaptações obrigatórias mesmo mantendo o modelo, em função das características totalmente diferentes do jogo. Diferentes porque perante adversários substancialmente melhor apetrechados;
Os maiores serão naturalmente os jogadores. Sem um modelo de jogo já estruturado e com qualidade, nunca Abel teria tido sucesso. E é absolutamente impossível chegar lá com três dias de trabalho. Portanto, não ignorar que também José Peseiro poderá beber do triunfo.
Mas afinal, estratégia não é mudar tudo e não é opor-se ao modelo? Não. Curioso, como tentaram colar isso ao por cá defendido, quando não houve um único texto que o pudesse sequer dar a entender.
Mas, afinal o que é então a estratégia se não o mudar tudo?
Já vos demos e voltamos a dar exemplos do que é Estratégia:
Por exemplo:
Jogo contra o Benfica. Sabemos como funciona a transição defensiva do Benfica quando entra no último terço. No seu posicionamento ofensivo, os laterais já estão próximos dos alas adversários, para que após a perda possam controlá-los, ou acompanhando se eles forem embora para receber na frente, ou apertando se eles quiserem receber no pé, e sabemos que após a perda, o Fejsa vai encostar nas costas do médio mais ofensivo, para que não seja referência para receber.
Então, sabemos que na perda no último terço, vai haver espaço nas costas do Fejsa, porque ele é atraído ao médio ofensivo, e que os laterais só baixarão se os nossos alas dispararem.
Estar mais próximo de vencer ou incomodar o Benfica, não é sair com os nossos alas ou médio ofensivo / segundo avançado a pedir no pé, só porque o meu modelo assim o contempla! porque o Grimaldo, o Fejsa e o Almeida vão abafá-los e a bola rapidamente mudará a posse de novo, sem saída para ataque rápido. Mesmo que no meu modelo eu até priorize um primeiro passe para um destes elementos para iniciar condução.
Estratégia, é percebê-lo, e ser criativo para desenhar uma possível forma de chegar às costas do Fejsa. Mas como? Ter por exemplo, na recuperação, o avançado a mostrar-se para receber o primeiro passe. Mas porque sei que um dos centrais do Benfica sairá com ele para matar em falta enquanto está de costas, na recuperação, coloco logo um elemento diferente do que o Fejsa vai apertar, a saltar na frente para receber a bola de frente, proveniente do avançado que se mostrou para o primeiro passe. E ai, se tenho os alas sem comer metros… os laterais deles também não baixam no imediato, e consigo sair com um 2×2 contra os centrais do Benfica, e um deles desposicionado porque veio acompanhar o apoio frontal do meu avançado!
in Lateral Esquerdo (2018)
Estratégia é trocar a pressão em L do avançado (em L, no sentido de primeiro deslocar-se para entre centrais para cortar linha de passe que varie o jogo), por pressão de frente sobre o Mathieu porque sabemos que ele é quem constroi criando mais dificuldades, como fez Luís Castro. Mas, o Vitória perdeu alguma identidade ou deixou de ser modelo porque trocou um movimento na pressão? O Bruno Lage perdeu alguma identidade ou o Benfica trocou de modelo porque no Dragão a rota ofensiva contemplou ir primeiro fora para que os médios centro não recebessem de costas pressionados? Ou quando nas Aves baixou mais os médios para trazer oposição, por saber que o Desportivo defenderia HxH? O Pep Guardiola muda a sua identidade quando coloca mais um homem em equilíbrio quando defronta dois avançados rápidos? ou quando muda de jogo para jogo os posicionamentos e rotas ofensivas?
Quem tentou colar um lado estratégico do jogo a totais alterações de jogo para jogo enganou-se. Quem muda tudo, não está a mudar estratégia. Está a mudar identidade!
Sobre isso, aquando das alterações profundas de Marcel Keizer para dois jogos muito específicos havíamos referido (aqui):
Marcel Keizer trocou por completo a estrutura táctica. Mudou por completo a identidade táctica da sua equipa. E não é necessariamente alterar estrutura que é Estratégia!
Então, mas o modelo afinal é a base?
Obviamente, nunca em tempo algum foi afirmado o contrário. Se o modelo é mau ou inexistente, não importa sequer ter estratégia. De que vale ir pressionar assim ou assado, se depois os meus defesas nem sabem orientar o corpo para defender? É por isso que as dificuldades de Marcel Keizer em Portugal não passam por ter ou não ter estratégias para os seus jogos. Está tudo relacionado com os maus comportamentos do seu modelo em todos os momentos do jogo.
Então, porque vivermos hoje a era da estratégia, se o modelo é que é a base?
Porque com o emergir do modelo, e com a chegada de todos a este, no equilíbrio surge uma forma diferenciadora de enganar o adversário. É como a correria versus inteligência. Sempre afirmamos que o que discernia qualitativamente os jogadores era a sua inteligência. Mas, com isto não significa que se ganhem jogos sem correr. Não se ganham. Pelo contrário, 11 Bolts ganhariam sempre a 11 Messis com 60 anos. Mas, não se anda a gritar que é a era da correria, pois não?
Pep manterá o essencial: tocar a bola até nos agruparmos; chegar a três quartos do campo através da sucessão de passes; subir bastante a linha defensiva, e ter sempre um homem a mais no meio de campo, seja como for. Mas não espere um sistema tático fixo nem uma equipe titular indiscutível. Isso mudará a cada jogo. E a análise do rival será cada vez mais importante
Domènec Torrent, no “Pep Confidencial” antevia o futuro
Outro aspecto que é importante perceber é o da identidade. Porque se dá a entender que identidade é só o que o Barcelona ou o Ajax jogam? Então o Bury FC da League 2, que estica 10 bolas na frente das 10 vezes que os seus defesas a tocam, não tem identidade? Pois claro que tem. Uma identidade que me faz fugir de ver os seus jogos, mas tem. Quem é a equipa que nos dias de hoje não tem a sua identidade?
Identidade não é só o que eu gosto, e fica a sensação de que as pessoas andam a confundir identidade com estilo.
Num programa de TV, o Rui Malheiro acabou por afirmar o que vem sendo dito há alguns anos aqui, e vale bem a pena ouvir / ler:
Fiel a uma identidade que não se desmonta… agora, para além da identidade há ajustes que fazem parte de uma estratégia. Um treinador que defende uma identidade não deixa de passar horas e horas e horas a ver como o adversário joga e se há necessidade de fazer um ajuste, fazem um ajuste.
E eis a magnífica era da Estratégia. Onde tal como Bruno Lage transmitiu há mais de um ano para o Lateral Esquerdo, o trabalho semanal já contempla o nós e o eles. Ao contrário dos tempos em que o modelo explodiu e era tudo “eu”, “eu” e “eu”.
El dibujo [sistema] no es el estilo
Los neerlandes se exhibieron en el Bernabéu ejecutando los conceptos de su glorioso pasado (la presión alta, el dinamismo de sus atacantes, la excelencia técnica como premisa fundamental para ganarse un puesto en el once, la circulación de balón a ras de suelo incluso en zonas de riesgo y la presencia de futbolistas cuya área de actuación no puede acotarse porque se mueven por todo el campo), pero no es verdad que jugaran con el 4-3-3 de toda la vida.
Axel Torres, sobre as mudanças tácticas de um Ajax diferente tacticamente do de outros anos
E quem altera tudo (base táctica), salvo raras excepções não é porque tem estratégia. É porque não tem modelo! E esses ainda nem à era do modelo chegaram, quanto mais à da estratégia!
Curiosidade: Na Liga NOS, apenas Marcel Keizer desmontou todo um sistema para se adaptar a um adversário. Mais nenhum treinador da Liga trocou em jogo algum o seu sistema de sempre na entrada em campo para se adaptar ao adversário.
E sabia que Pepa, na observação do adversário para preparação estratégica visualiza apenas jogos em que o adversário do seu adversário utiliza a sua estrutura táctica? (Precisamente porque a estratégia não se opõe ao modelo?)
Como em tudo na vida, é nas dificuldades que se cresce, que se procuram soluções para ultrapassar as barreiras. Nos dias de hoje todos têm o seu modelo, e o passo seguinte já está a ser dado pelos mais inteligentes. Estamos na era da estratégia. Na era em que os vídeos correm à velocidade da luz, vencer vai muito para além do modelar, tão típico da década passada.
Hoje, o próprio processo de treino tem de ser virado para a competição seguinte, para o jogo que virá. Sobretudo quando se fala em forças de valores equivalentes, mas não apenas, é no perceber os comportamentos chave do adversário, e preparar o seu antídoto durante a semana, que está o passo seguinte. Na análise dos comportamentos e no desmontar dos mesmos. Na estratégia provocar constrangimentos ao adversário, que nos aumentem as possibilidades de vencer.
Lateral Esquerdo, 2017"
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!