"(...) escreve sobre os rankings no desporto: há muitos, mas serão os mais importantes?
A Cultura dos Rankings
Hoje em dia, seja qual for a área de performance em análise, assistimos à criação de “rankings” por tudo e por nada – aparentemente, ainda por “aí” vigora a necessidade de consolidar (ainda mais e muito para além do desejado) a natural apetência do ser humano em tornar as coisas comparáveis e quantificáveis... até a ele próprio.
Resta, de facto saber, se os critérios escolhidos são os correctos – o que, em boa verdade, dificilmente o serão, na medida em que se privilegia, na generalidade dos estudos e artigos, dados recolhidos no imediato, associando o sucesso a um resultado a curto prazo (numero de golos, de pontos, entre outros) e não a longo termo (carreira).
Por exemplo, em contexto académico, privilegiam-se rankings de avaliações quantitativas (obtidas por mérito ou por espreitar para o colega do lado), ao invés de atitudes de solidariedade, cidadania ou o exercício efectivo de um conjunto de competências que a vida profissional irá solicitar - softskills (já alvo de um artigo na Tribuna), até porque, também a investigação cientifica se debruça iminentemente em dar respostas a questões no imediato e, por essa razão, são difíceis de encontrar estudos longitudinais que acompanhem os sujeitos ao longo de um período alargado de tempo, com o intuito de aferir em que medida um dado desempenho se pode traduzir num dado estilo de vida (curiosamente, um destes mesmos estudos, com alunos de Harvard, acabaria por vir a revelar que o “sucesso académico” não se correlacionava positivamente com o “sucesso na vida” – curioso, não? Nem tanto – um pouco óbvio até).
O Caso do Futebol - Quantificar, Quantificar
Temos rankings para os melhores treinadores, os melhores atletas, os países que mais “produzem” atletas de categoria mundial, as academias que produzem os melhores talentos, os atletas que são identificados como jovens promessas (acabou de sair mais uma em Outubro), entre outras listagens infindáveis.
Não me recordo, porém, de ver (pelo menos com o suficiente destaque) rankings dos clubes que mais atletas tem com um curso superior, ou cujos departamentos médicos tem maior eficiência na prevenção e reabilitação de lesões, ou cujo departamento de fisiologistas melhor capacita os atletas no que respeita as suas qualidades físicas ou, cujo departamento de psicologia melhor capacita os atletas nas suas qualidades psico-emocionais, entre outros.
Será uma ideia assim tão estranha?
Não advém daqui a “qualidade” da matéria prima que chegará às mãos de um Treinador?
Não me recordo de ver nenhum ranking das academias que, de fato, produzem atletas “inteiros”, com elevadas capacidades de adaptação a um meio que necessariamente será percepcionado como “hostil”, após anos e anos de “berço” num dado clube ou, por outras palavras, academias que “produzam” pessoas que, por acaso, jogam futebol.
Não me recordo de ver (com o merecido destaque), nenhum tipo de “trofeu” ou evento público que reconheça qualidade ou, sequer, destaque o Treinador que mais jovens fez surgir, dando ferramentas para que a consolidação do talento se possa afirmar, numa transição tão difícil de “promessa” para o “status” de atleta de alta performance (ás vezes, de menino para homem...).
Não me recordo de ver ranking algum que privilegie processo.
O Espelho Que o Futebol Transporta
A escolha da modalidade do futebol não foi casual, ainda que pudéssemos estar a falar de outras tantas modalidades, escolas ou empresas – todas elas “reféns” de uma espécie de tirania pelo resultado (o que não traria problema nenhum... se soubéssemos dirigir esta energia para a qualificação de processos).
O futebol mobiliza milhões de pessoas e, lamentavelmente, poderá ser a modalidade que mais vidas “destrói” por empurrar os jovens para um projecto de vida romanceado (que todos nós, adultos, falhamos em contrariar), ao qual chegará uma reduzidíssima percentagem de atletas.
Motivados pelo gosto pela modalidade, pelo suporte familiar, pela convicção do treinador, do clube ou do empresário muitos são os jovens que, mesmo fazendo parte da tão desejada lista anual de jovens promessas, tarde ou nunca confirma o seu talento, desaparecendo muito rapidamente no anonimato.
Urge, de fato, uma reflexão aprofundada sobre as características e competências que gostaríamos de ver nas gerações que se avizinham (atletas ou não) para, desta forma, poder delinear o processo pelo qual elas deverão passar para as adquirir, potenciando a possibilidade de uma chegada a uma vida adulta autónoma e “inteira”.
Urge criar formas de reconhecimento (público?) para quem, trabalhando de forma quase “invisível”, se dedica e entrega ao processo.
E, em boa verdade, urge também que todos os diferentes interlocutores (pais, educadores, escolas, clubes, empresas,...), assumam a sua parte de responsabilidade em toda esta inadiável mudança."
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