"Último domingo de Agosto: em Nova Iorque, o Benfica permitia ao Athlitiki Enosis Konstantinoupoleos um empate ao cair do pano e depois de ter estado a ganhar por 2-0. Facilitemos a vida aos leitores chamemos-lhe AEK. Eusébio marcou um golo maravilhoso!
No último domingo de Agosto, as praias portuguesas já iam ficando vazias. Há sempre uma verta nostalgia na imagem de uma praia abandonada. Depois, vem Setembro, e Gilbert Bécaud cantava em tom de despedida:
«C'est en septembre
Quand les voiliers sont dévoilés
Et que la plage tremble sous l'ombre
D'um automne dé-bronzé
C'est en septembre
Que l'on peut vivre pour de vrai».
Lá longe, o Benfica também dizia adeus. Adeus a Nova Iorque, a pequena cidade azul do Frank de Hoboken: Francis Albert Sinatra. Tinha jogado também na Cidade do México e preparava-se para embarcar para o Canadá.
1966 - um ano extraordinário para o futebol português graças ao inesquecível Campeonato do Mundo de Inglaterra.
28 de Agosto de 1966: em Randalls Island, os encarnados defrontaram um adversário grego - o Athlitiki Enosis Konstantinoupoleos. Facilitemos e chamemos-lhe AEK. De Atenas, pois claro. Exactamente o próximo adversário do Benfica nesta edição da Liga dos Campeões.
'Defrontando o vencedor da Taça da Grécia, chegou o Benfica a dar impressão de que iria, finalmente, conseguir uma vitória expressiva. Mas, afinal, não passou da esperança: a combatividade dos gregos, que mantiveram o mesmo ritmo ao longo de todo o encontro, acabou por merecer recompensa, e o resultado final por de 2-2, embora os encarnados tenham chegado ao intervalo a vencer por 1-0 e feito o 2-0 logo no início da segunda parte'. Era assim que um periódico português dava a notícia de um estranho adormecimento das águias quando tudo fazia crer que a goleada estava ao estender da mão.
Eusébio parecia cansado. Pudera! Menos de mês e meio antes jogara como nunca nos relvados ingleses.
A excelência da Pantera!
Mas Eusébio era sempre Eusébio, mesmo cansado. Reparem: 'No primeiro tempo teve algumas jogadas especiais - nomeadamente a primeira do encontro, a menos de meio minuto de jogo, quando superou tudo e todos e, isolado frente ao guarda-redes, atirou-lhe para as mãos, com alguma força mas sem convicção. Em compensação teve, depois, quatro ou cinco 'tiros' com a bola a zunir rente à barra mas sempre acima do que era necessário'.
Ah! A Pantera Negra não deixava os seus indefectíveis sem mostrar classe.
Por isso, aos 32 minutos, veio por ali abaixo, driblando adversários aos molhos, como um rapazinho que vai colhendo papoilas por entre e gipsofila, e à entrada da grande área decidiu-se por um remate tão inesperado como fulminante: 1-0! Com ponto de exclamação!
Maniteas, o keeper grego, não foi de modas: aplaudiu tanto como os restantes espectadores que tinham pago o seu bilhete.
Nélson foi o autor do 2-0. Tudo parecia calmo nessa tarde de Nova Iorque.
O Benfica ia ganhar, o público não abundava, o futebol era muito despiciendo nos Estados Unidos, mas ainda assim alguns emigrantes (portugueses e gregos) compunham as bancadas.
A dez minutos do fim, Papaionou entrou pela defesa encarnada como faca em manteiga amolecida - não se esqueçam de que ainda era Agosto - e rematou colocado. Costa Pereira nada podia fazer.
Uma febre tomou conta dos jogadores do AEK. De repente, perceberam que a derrota não era inevitável. Lançam-se sobre o seu exausto adversário. A luta é quase corpo a corpo.Ombro a ombro. Coxa a coxa. Quase que se podia ouvir o ranger dos músculos e das cartilagens. Há nos homens que vieram lá das margens do Egeu uma espécie de orgulho divino. Adivinham o empate que lhes valerá como uma saborosa vitória. O mesmo Papaionou fez o 2-2 e a alegria é imensa. Valera a pena o esforço derradeiro. Ambas as turmas saem de campo esgotadas. Num abraço desportivo.
Por lá, o estádio ia ficando vazio.
Por cá, as praias vão ficando vazias. Bécaud em fundo musical:
«C'est en septembre
Quand l'été remet ses souliers
Et que la plage est comme un ventre
Que personne n'a touché
C'est en septembre
Que mon pays peut respirer...»
A águia voltava a levantar voo, dessa vez rumo a Toronto. Dia 1 de Setembro regressava a Lisboa.
Ninguém percorria o mundo como o Benfica!"
Afonso de Melo, in O Benfica
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!