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sábado, 19 de maio de 2018

Sabe quem é? Na PIDE, o que passou - Coluna

"Ele e José Augusto jogaram em Braga sob prisão; Pior poderia ter-lhe acontecido se o inspector fosse outro...

1. Foi a 28 de Fevereiro de 1965. Ainda a viver o fervor causado pelos 5-1 ao Real Madrid, o Benfica foi jogar a Braga. Aos 9 minutos estava a perder - aos 31, ele empatou. Dum instante para o outro, houve mosquitos por cordas.

2. Antes de Eusébio fazer de penalty o golo que deu a vitória ao Benfica por 2-1 - um seu remate fulgurante de cabeça levou a que a bola que batera na barra da baliza de Armando caísse «já dentro» (segundo os benfiquistas). Marques da Silva, o árbitro do Funchal, achou que não, que a bola não entrara.

3. Por entre os protestos e a ira, incendiou-se o cenário. Mais ainda quando ficou um penalty por assinalar e José Augusto contou: «O polícia atrás da baliza, acusou-me de teatro, mandou-me levantar com maus modos, eu respondi-lhe na mesma moeda». Indo ele em sua defesa, maior foi a escaramuça - a caminho do balneário, para o intervalo o chefe da guarda deu aos dois ordem de prisão.

4. Apesar da GNR tentar impedi-lo, Marques da Silva permitiu que ele e José Augusto jogassem a segunda parte mesmo «sob prisão». No fim do jogo, o seu graduado em chefe correu ao balneário para levar presos «os dois senhores jogadores que desrespeitaram a autoridade que lhes deu a voz de prisão». Ao sabê-lo até Teixeira, marcador do golo do SC Braga, se juntou ao presidente do Benfica, tentando «resolver-lhes a questão».

5. Solta palavra daqui, desculpa dali, meia hora após o final do desafio, ele e José Augusto acabaram, enfim, considerados em «plena liberdade» - e a Guarda até se ofereceu para abrir caminho até à estação para evitar que o Benfica perdesse o rápido em Gaia. Não muito depois, passou ele por outra polícia bem, mais terrível, pela PIDE.

6. Ainda nesse ano de 1965, antes da partida para o jogo de 25 de Abril com a Checoslováquia, a PIDE chamou-o à sua sede, inspectora perguntou-lhe se sabiam para onde ia. Respondeu-lhe que sim - e ela limitou-se a dizer-lhe que tivesse «muito cuidado» por lá.

7. Lá, em Brastilava, apareceu grupo de angolanos no hotel da selecção. Poderiam bilhetes, roupas, dinheiro. Ele recolheu os convites que pôde arranjar, entregou-lhos. E juntou-lhes, solidário, os donativos. Mal aterrou em Lisboa, notificaram-no para a PIDE, outra vez.

8. O que, dessa vez, se passou na sede de António Maria Cardoso, contou-o ele, assim: «Mandaram-me subir, à porta do gabinete estavam dois caras-de-pau. Um de dois metros, outro com barriga tão avantajada que, mesmo pequeno, tinha mais de 100 quilos. Os dois com ar de poucos amigos. Entrei e o inspector recebeu-me todo sorrisos: 'Olha o meu grande capitão! Quase todos os dias me lembro daquele petardo contra o Real que nos deu a segunda Taças dos Campeões, que maravilha! Mas o que é que o traz aqui?! Não estou a vê-lo metido em sarilhos, mas...»

9. O agente ajeitou os óculos, passou os olhos pelo livro de audiências, leu o relatório do informador, suspirou fundo - e murmurou-lhe: «Ai, ai... Tem sorte, meu grande capitão, estar eu aqui de serviço... Com outro colega, não sei... Talvez aqueles dois armários que viu à porta estivessem já a preparem-se para o levar para sítio pior». Depois de lhe rogar que sempre que tivesse de jogar em países comunistas nunca mais falasse «nem um copo de água», garantiu-lhe: «Por ora, fica esponja sobre tudo, meu grande capitão...»

10. O seu carisma espalhava-se por todo o lado. Os companheiros diziam: «O treinador manda na equipa mas no campo, em nós manda ele». No Mundial até salvou Otto Glória de ser expulso: «O árbitro marcou falta, Otto levantou-se a barafustar. Vendo-o a dirigir-se para o banco, fui atrás dele. Ao levantar o braço para o expulsar, disse-lhe: ´'Senhor árbitro, o capitão sou eu, peço-lhe desculpa pelo nosso treinador, Otto continuou no banco». Por cá, uns meses seguintes, ainda se apercebeu de que, às vezes, andavam carros pretos a rondar-lhe a casa, - para ver quem lá entrava, quem de lá saia. Eram, claro, agentes da PIDE.

11. O que a PIDE nunca descobriu foi que algum dinheiro que ele ganhava no futebol ia parar ao MPLA, que lutava pela independência de Angola, dado por Fernanda, a mulher que conhecera numa festa de anos de Chipenda..."

António Simões, in A Bola

1 comentário:

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