"Temos, por todo o mundo, uma comunicação social que, demasiadas vezes, procura “manipular a realidade”, recorrendo a “slogans fáceis” e a “rumores mediáticos inúteis”, daí resultando os seus maiores pecados: a “desinformação”, a “difamação” e o “sensacionalismo”.
Há pouco mais de uma semana, e em espírito natalício, o Papa Francisco produziu, no Vaticano, um discurso importante, na audiência concedida à União da Imprensa Periódica Italiana, retomando outras suas mensagens anteriores, como a divulgada em Maio último, para o Dia Mundial das Comunicações Sociais.
Entre a espuma e o ruído de que são feitos os (nossos) dias, a mensagem papal quase não foi notícia – e é pena, porque se tratou de uma bem lúcida e oportuna tomada de posição acerca do mundo das notícias e da comunicação social.
No que esta pode ter de pior – a voragem sensacionalista, a emotividade fácil, o boato, a calúnia, a destruição de reputações, o curso livre de pós-verdades e “fake news”, os agendamentos ocultos ou o servilismo perante o poder – 2017 foi pródigo, se calhar mais do que 2016, mas ainda assim menos do que poderá ser 2018. Não se trata de culpar apenas os jornalistas dos males que rodeiam e afectam a profissão de informar. Haveria muito a dizer, e não a despropósito, sobre o mundo dos meios de comunicação social, e como a concentração empresarial, a crise e o desinvestimento, a exiguidade das redacções, a promiscuidade com a política e a impreparação de muitos dos lançados nessa profissão afectam a qualidade da informação que temos e que consumimos. Sobretudo, a velocidade e fluidez dos tempos pós-modernos e a explosão incontrolada das redes sociais devem fazer-nos reflectir – a todos, cidadãos em geral e profissionais da comunicação social em particular – sobre a forma como a era da híper-informação não só não significa, hoje, maior esclarecimento ou conhecimento, como implica um enfraquecimento da função reflexiva e explicativa do jornalismo (como ele era classicamente entendido), e uma real ameaça à democracia (como modelo de organização política assente no debate civilizado).
Falando para a imprensa italiana, o Papa lembrou o que temos e explicou o que deveríamos ter. Temos, por todo o mundo, uma comunicação social que, demasiadas vezes, procura “manipular a realidade”, recorrendo a “slogans fáceis” e a “rumores mediáticos inúteis”, daí resultando os seus maiores pecados: a “desinformação”, a “difamação” e o “sensacionalismo”. Em vez disto, deveríamos ter, na opinião de Francisco, uma informação “livre”, “responsável”, “plural” e “crítica” – porque só essa garante “o crescimento de qualquer sociedade que se considere democrática”, através de um “debate baseado em dados reais e correctamente reproduzidos”.
Em sociedades civilizadas e educadas na tradição da liberdade, quem não concorda com isto? E contudo, ditaduras e fundamentalismos à parte (porque nesses a informação é propaganda a uma só causa ou acicate para silenciar a discordância), o clima noticioso das democracias anda pouco saudável. Falta “respiração mental” para um verdadeiro jornalismo de investigação, rigoroso, objectivo, imparcial, útil, em suma; e falta capacidade de discernimento e filtragem para uma informação diária que sublinhe o essencial, que renuncie ao acessório e que recuse o inútil. Toda a gente, hoje, munida das novas tecnologias, pode ser apologista de si mesma e do que bem entender, e insultadora de quem quer que pertença a outra bandeira, a outra causa, a outro clube, a outro partido. O ruído convida a mais ruído – e vencidos por ele, muitos mergulham num limbo de anomia, de passividade e de dormência amoral que entrega ainda mais o espaço mediático aos “berradores” de serviço. No final de um ano em que faltou muito “fact-checking” e razoabilidade de juízos na comunicação social, talvez valha a pena pensar nisto…"
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