"Em Inglaterra houve um José Mourinho antes de José Mourinho? Houve: Brian Clough, que fez de uma equipa de província bicampeã da Europa, o Nottingham Forest. Pois, mas o que eu acho é que há também esse Brian Clough em Jorge Jesus, não nos seus traços excêntricos e polémicos, mas nos outros, nos imprevisíveis e instintivos. Viu-se, sábado, naquele golo de Melgarejo ao Rio Ave (mas não só...), lembrando-me de Martin O'Neill, que fora treinado por ele, ter contado que, certa vez, um dos seus rapazes lhe foi perguntar, muito tímido, o que poderia fazer para o tornar melhor lateral. Fechado no seu rosto luminoso, Clough respondeu-lhe que não sabia, o pupilo murmurou-lhe:
- Se não sabe isso, como é que pode continuar a treinar-me?
e recebeu em contra-ataque:
- Aprende então: não sou eu que tenho de te ensinar a seres melhor jogador, tens de ser tu. Eu só tenho de estar demasiado ocupado a ganhar jogos.
Sim, este ano mais do que em qualquer outro, Jorge Jesus descobriu a quadratura deste círculo, o segredo de estar apenas demasiado ocupado a ganhar jogos - e com isso conseguiu tudo o resto: ensinar um lateral a ser o que não se imaginava que pudesse ser, o Melgarejo - produção sua como já fora Coentrão; inventar um novo Enzo Pérez; ou fazer de Matic, Ola John, Lima, Gaitán jogadores bem melhores do que eram...
Foi por acaso? Não, não foi. Nem foi só. No futebol, inventar uma ideia é tão eficaz como transmitir uma emoção - e, mesmo que, às vezes, fosse pelos caminhos trocados das palavras, Jesus fez, como Clough fazia, o que precisava de ser feito: ter o sonho no infinito, o impossível no possível. Com esse poder de convicção, que chegou a parecer quase delírio, ganhou jogos - e deixou o Benfica no ponto em que está. E, continuando a jogar como jogou contra o Rio Ave, vai acabar por ser o que eu suspeito que será: campeão.
(O que a acontecer terá o mérito maior que pode haver: o ganho ser por mérito dele, do Jesus - e não por demérito doutro, do Vítor Pereira...)"
António Simões, in A Bola
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