"Se Jesus citou Pascal, um filósofo do século XVII, foi para responder a Vítor Pereira que, 48 horas antes, tinha recorrido ao senhor La Palice, um militar do século XVI
SOBRE João Rocha posso dizer que o conheci bem na segunda metade do seu relativamente longo mandato (1973-1986) como presidente do Sporting.
Nas minhas demandas como jovem jornalista desta casa, recebeu-me sempre com uma cordialidade que, segundo as normas das pessoas importantes, seria até absolutamente dispensável perante uma principiante. No entanto, há excepções. Registei.
Mais tarde, quando comecei a viajar ao serviço de A BOLA, calhou-me inúmeras vezes em serviço acompanhar a sorte das equipas portuguesas nos sorteios das competições da UEFA. Era um serviço de responsabilidade.
Não porque se revestisse de alguma dificuldade ter de apontar correctamente os nomes dos nossos adversários saídos da tômbola, mais as respectivas competições em que participavam e ainda a ordem dos jogos e as cores dos equipamentos. Era um serviço de responsabilidade porque, nesse tempo, os presidentes dos clubes, sem excepção, não falhavam um sorteio da UEFA. Agora fazem-se substituir pelos seus directores-desportivos e fazem muito bem.
Mas houve um tempo em que esses sorteios da UEFA, no Sheraton de Zurique ou no Hotel Intercontinental de Genebra, eram um convénio informal de presidentes de clubes portugueses em território neutral suíço. Tive assim oportunidade de conhecer melhor João Rocha nessas ocasiões mais descontraídas em ambientes de hotéis de cinco estrelas com pianista ao fundo. As cinco estrelas não eram problema para ele. Para outros, já não direi o mesmo.
O fim do seu mandato marcou o fim de uma era, sem menosprezo para a boa vontade de muitos dos que lhe sucederam no lugar, nomeadamente para o presidente que se lhe seguiu, Amado de Freitas, outro amável cavalheiro que também já se foi embora.
João Rocha nasceu em Setúbal e estava apontado à presidência do Vitória local quando foi desafiado para se candidatar à presidência do Sporting. Vaidade à parte, o que não seria o caso, o repto até não tinha muito de aliciante porque o Sporting vivia uma crise financeira daquelas agudas que, ciclicamente, se abatem sem piedade sobre os clubes de futebol grandes, médios ou pequenos.
Dizem os jornais que no espaço de treze anos, o Sporting da era João Rocha venceu três campeonatos e três Taças de Portugal, o que, à primeira vista, nem será grande espólio em termos de futebol que, como todos sabemos, é o que conta nos registos da vida dos presidentes e, depois, inapelavelmente na sua posteridade.
A era que terá terminado com a chegada ao fim do consulado de João Rocha foi a de um Sporting politicamente convicto, firme na sua identidade própria e capaz de lutar taco-a-taco em todos os tabuleiros com os seus dois rivais directos: o histórico Benfica e o emergente FC Porto.
Nos anos finais do seu mandato, João Rocha terá ganho e perdido duríssimas refregas desportivas e institucionais com Fernando Martins, presidente do Benfica, e com Pinto da Costa, presidente do FC Porto. Até porque estes dois últimos mantinham entre si uma doce amizade que excluía o presidente do Sporting. Três doces amizades, nestes casos, deixa de fazer sentido prático, é uma multidão. Para quê? Contra quem se aliavam depois?
Ainda assim, João Rocha conseguiu aborrecer frequentemente os outros presidentes intrometendo-se com eles na luta pelos títulos e “roubando-lhes”, por exemplo, jogadores internacionais como Artur Correia e Rui Jordão, ao Benfica, e Jaime Pacheco e António Sousa, ao FC Porto que ripostou com o desvio de Paulo Futre para as Antas.
Não querendo agourar, e excepção feita ao desvio de Futre para as Antas que parece notícia da actualidade, creio que dificilmente se verá em Alvalade qualquer coisa de parecido nos tempos mais próximos em termos relativos de eficácia desportiva e institucional.
Disse muita gente sobre João Rocha que foi ele o último grande presidente do Sporting. Outros disseram que foi o maior presidente de sempre do Sporting. Não sei. A minha opinião é francamente irrelevante porque sou do inimigo. Mas não o suficiente, ao que parece, para me ter impedido de receber com tristeza a notícia da morte de João Rocha no último fim-de-semana.
«ÀS vezes o coração tem razões que a razão não entende.» Jorge Jesus citou Blaise Pascal perante uma plateia atónita de jornalistas. Este homem merece ser campeão muitas vezes.
A imprensa não dá tréguas ao português antológico do treinador do Benfica e ele, muito à frente dos seus diligentes correctores, atirou-lhes para cima com um filósofo francês do século XVII que os deixou sem capacidade de reacção.
«Vocês sabem de quem é esta frase, não sabem?», perguntou logo de seguida à plateia. Silêncio. Silêncio sepulcral.
Quem fala assim merece ser feliz. E, se calhar, foi por isso mesmo que o Benfica, logo no jogo seguinte, foi feliz, regressou às goleadas com uma exibição apurada frente ao Gil Vicente e não se ouviram mais assobios de protesto no Estádio da Luz.
«Gil Vicente, dramaturgo do século XVI, conhecido como o pai do teatro português…», ainda esperei (e desejei) ouvi-lo dizer na 'flash-interview' referindo-se ao adversário de domingo. Mas não. O treinador do Benfica tem a medida certa das coisas e não há como não exagerar numa boa piada para não lhe retirar o valor. Venha aí o que vier, está em grande forma o nosso treinador.
Dizem agora que Jorge Jesus a citar Pascal foi uma provocação a todos os intelectuais das várias praças que persistem em apontar-lhe os erros de gramática julgando-se melhores do que ele em função da escolaridade e das leituras. E também não serão assim muitos, pensando melhor.
Discordo dessa teoria. Na minha opinião, Jesus não citou Pascal para gozar com os jornalistas e com os grandes autores contemporâneos que fazem pouco do seu português. Está-se bem ralando para eles o treinador do Benfica. Jesus só quer saber de futebol e se citou Pascal, um filósofo do século XVII, foi apenas para responder a Vítor Pereira que, quarenta e oito horas antes, para responder a uma necessidade tinha recorrido ao senhor de la Palisse, militar francês do século XVI e grande mestre das evidências.
«Desenganem-se aqueles que julgam que o título está atribuído», disse o treinador do FC Porto no rescaldo do empate da sua equipa em Alvalade.
Mas como é que o título pode estar atribuído se, quando Vítor Pereira 'lapalissou', faltavam nove jornadas por disputar e os dois pretendentes estavam apenas separados por dois pontos?
Vítor Pereira tem, no entanto, uma atenuante de peso. É que, ao contrário de Jorge Jesus, não estava a falar para os jornalistas que o escutavam nem para o público em geral com o intuito de nos fazer sorrir. Estava apenas a mandar um recado urgente para o interior do FC Porto. Ele lá sabe porquê.
O Benfica marcou cedo contra o Gil Vicente e embalou para uma exibição tranquila e para a goleada. 5-0, um resultado esquisito, esquisitíssimo. Foi bastante parecido com o que haveria de acontecer, dois dias mais tarde, em Nou Camp. O Barcelona também marcou cedo ao Milan e também embalou para a goleada. 4-0, outro resultado esquisitíssimo. Até parece que o Milan, tal como o Gil Vicente, também fez o frete. Ah, filósofos do século XXI!
PALAVRA de honra que nunca pensei ver António Banderas, um actor de Hollywood, a festejar uma derrota do FC Porto. O golo de Saviola foi mal anulado na minha opinião. Agora convém muito que os órgãos da justiça desportiva mantenham o FC Porto na Taça da Liga.
HOJE o Benfica joga em Bordéus sem Luisão e sem Garay. Venha de lá essa estrelinha, se faz favor.
PS - Que parecido é aquele golo de ontem muitíssimo bem anulado ao Maicon do ano passado na Luz e que valeu mais um campeonato ao FCP."
Leonor Pinhão, in A Bola
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