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sábado, 29 de setembro de 2012

Os estripadores

"Estava no metro em Glasgow - cobria a visita do Benfica ao Celtic - e, na véspera do jogo, li num tablóide declarações de um jogador do Benfica que eram exclusivas ou tinham passado ao lado da imprensa portuguesa. Duvidei. E percebi que não duvidava só daquele caso, senti que, lendo aquela publicação ou outras do género, duvidaria de quase tudo, tantas são as histórias de declarações inventadas.
No Reino Unido, o nível das páginas sobre futebol na imprensa vive abaixo do que se faz em Portugal, onde mesmo para os mais sensacionalistas inventar declarações é impensável. Creio até que o rigor, criatividade e riqueza de análise da nossa imprensa desportiva está acima da qualidade e do clima do negócio sobre o qual se debruça. Ao contrário do que acontece no Reino Unido.
Dirão que são sinais dos tempos; que as invenções resultam das dificuldades de acesso. Discordo. Se o apego britânico ao futebol é tão invejado pelos portugueses como factor cultural - Jesus, depois de sentir o ambiente do Celtic Park, exclamou: «Aquilo é que são fãs» - este tipo de jornalismo fora da realidade a que me refiro é também muito cultural.
Vejamos: Alan Moore, escritor britânico autor das novelas gráficas Watchmen ou V for Vendetta, escreveu From Hell, obra que reconstitui os assassínios de Jack, o Estripador, com obsessivo detalhe. Moore pesquisou relatórios policiais, leu testemunhos, fidelizou a história a boletins meteorológicos de 1888, respeitou mapas de Londres, listou visitas ilustres à cidade e espectáculos em exibição nesse ano, tudo. Uma visita à Inglaterra vitoriana que permite catalogar uma obra de ficção como relato histórico.
Ao explicar os processos de investigação, Moore diz que a expressão Jack the Ripper foi invenção jornalística para cobrir a falta de noticiário: «As cartas fraudulentas assinadas com esse nome, geradas pela imprensa, eram o protótipo do triste jornalismo dos tablóides britânicos, hoje em evidência». É pois, cultural. Pior: é culturalmente aceite. Se aquilo são fãs, aquilo não são jornalistas."

Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

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