Últimas indefectivações

sábado, 3 de dezembro de 2011

Belo horror

"A presença de fogo num estádio é algo extraordinário de ver. Não percebo bem por que raio tanto se tem falado da Luz a arder. Afinal, a história vem de longe, de muito longe aliás, quando Prometeu roubou o fogo a Zeus para o oferecer aos mortais, história celebrada na Chama Olímpica que ilumina os Jogos.

Mas o duelo entre Prometeu e Zeus, já agora, foi mais longo e, curiosamente, até meteu águias ao barulho, quando o rei dos deuses, para se vingar de lhe terem roubado o fogo até então pertença do círculo de divindades, acorrentou Prometeu e fez com que uma águia lhe comesse diariamente o fígado que, pior ainda, todos os dias renascia para ser comido e depenicado até à eternidade. Depois, vá lá, alguém salvou Prometeu daquela tortura e o fogo acabaria realmente por passar a ser também coisa das pessoas. É esse fogo que se celebra de quatro em quatro anos na maior manifestação desportiva da humanidade. Aquele da Luz, ainda que provavelmente seja inocência minha, talvez tenha alguma relação com isso, talvez um daqueles adeptos que são tudo menos do Sporting por mais que gritem o nome, tenha querido honrar Prometeu.

O próximo passo, enquanto o clima nos estádios de futebol for minado por cinquenta ou sessenta verdadeiros marginais identificados pela polícia mas protegidos por um sistema legal que não funciona - e ao todo entre os três grandes é este o número em causa segundo as autoridades; os outros, mesmo nas claques, é gente normal que vai por arrasto -, o próximo passo, escrevia eu, será realmente continuar a honrar Promoteu talvez com adeptos do Benfica acorrentados às bancadas para verem os fígados comidos por águias, ou do Sporting, mas nesse caso mordiscados por leões, ou do FC Porto, chamuscados por dragões. E da contemplação dessas dores horríveis e desse espectáculo monstruoso, a que poderíamos juntar uma grande Chama Olímpica capaz de deitar abaixo uma bancada, estou convencido de que nascerá a vitória dessa gente. E de Zeus."


Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

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