"Eles não são ladrões porque até para roubar é preciso arte.
Eles não roubam, não assaltam, não furtam. São demasiados mesquinhos e tacanhos para isso. São forra-gaitas, mesmo quando só tocam concertina.
Eles esponjam-se na lama, figuras menores, tantas vezes estrafalárias, num esforço contínuo de se erguerem nas pontas dos pés no ridículo próprio dos insignificantes.
Como capachos, obedecem à ordem de D. Palhaço:
-De cócoras!
E eles acocoram-se. São pilhas-galinhas transformados em galinhas. Juntam-se, corporativamente na obediência ao chefe. Encolhem-se. Encostam-se uns aos outros tremendo e cacarejando, indecentes perpetadores de crimes semanais, de sorriso no rosto, felizes por serem objecto de desprezo e de humilhação.
Tudo neles é falso. São meros serventes de um poder que há muito lhe corroeu a dignidade. São funcionários do esbulho.
-De cócoras!
E eles de cócoras, felizes, esperando ansiosamente pelo grão de milho painço personificado em prostitutas baratas e em cenas de chinelo e alguidar nas pensões sebentas onde escondem os vícios das mulheres e dos filhos.
Infelizes escravos do Grande Palhaço do seu pequeno universo. Veneram-no como a um deus de pequenas coisas. E somam, semana a semana, ordenados chorudos de fazer escândalo num país de pobres que premeiam a sua competência em servir, em obedecer, em vergar a cerviz. Têm os seus empregos, mas pouco importa. É desta vassalagem que vão vivendo. Acatam, aquiescem, carregam abjectamente o jugo de quem os manda pilhar sempre a favor do mesmo como se fosse uma inevitabilidade das suas vidas mesquinhas e merectrícias.
-De cócoras, grita D. Palhaço.
E eles agachados, acobardados, acabrunhados.
-De cócoras!!!
E eles sempre de cócoras, continuamente de cócoras. Tão de cócoras, tanto tempo de cócoras, que já não sabem viver de espinha direita. Tão de cócoras que, um dia, como as galinhas, começarão, certamente, a pôr ovos. Podres."
Afonso de Melo, in O Benfica
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