" 'Não saias daí', disse-me o meu pai no dia 21 de Outubro de 1981, apontando para o meu lugar, quando, após uma viagem longa, vindos da aldeia, chegámos ao nosso lugar no Estádio da Luz, para vermos o Benfica - Bayern de Munique. Nesse tempo, os estádios era sítios inóspitos, onde se apanhava frio, chuva e vento e fumava muito. Quando chovia, era difícil ver o jogo pelo meio dos guarda-chuvas.
O desporto era futebol e o futebol era coisa de, e para, homens de barba rija. Trinta anos depois, vejo diariamente, nos campos e pavilhões do SLB, centenas de miúdos e graúdos a praticar vários desportos, crianças e adolescentes que vão para o estádio pela mão dos pais.
O Benfica foi o único clube em Portugal que percebeu o que tinha de ser feito: não construiu apenas um estádio, construiu uma realidade amiga das mulheres e das famílias. Desde o momento em que entramos no estádio, tudo é fácil e confortável: bons estacionamentos, superfície comercial, os únicos pavilhões climatizados que conheço no País, quentes no inverno, frescos no verão.
'Não saias daí', dizemos hoje nós aos nossos filhos, enquanto treinam futebol, basquetebol, hóquei ou fazem natação. Mas, 30 anos depois, não ficamos no carro a fazer croché, Podemos ir ao ginásio, fazer alguma compra de última hora, tomar um café ou pormos a conversa em dia com os outros pais.
E depois há o estádio - já não há chuva, frio, nem vento. Temos conforto: limpeza, bares e instalações sanitárias em profusão. Ir ao futebol, ou ao basquete, é uma festa, uma festa das famílias.
Não foi por decreto que se conseguiu que as mulheres gostassem de desporto e, já agora, que o pratiquem e que levem os filhos aos estádios e aos pavilhões. Num País de pouco desporto e muita obesidade e diabetes, o feito notável não foi obra de nenhum governante ou político. Nasceu unicamente na cabeça dos dirigentes dos clubes, que perceberam a importância de trazer as famílias inteiras para o estádio e para o desporto.
Extraordinariamente, este facto básico, típico das sociedades mais ricas e desenvolvidas, não tem sido percebido por governantes e elites portuguesas, que não compreendem o papel insubstituível dos clubes na prática desportiva em geral: não há nenhuma incompatibilidade entre prática desportiva e sucesso académico nos jovens, pelo contrário. Teremos uma sociedade melhor com pessoas mais capazes e mais bem formadas, com comportamentos menos tóxicos.
O Benfica não ficou agarrado à chave do sucesso do passado. Já não se trata só de 'ir à bola', mas de passar a semana no complexo desportivo, desfrutar, gastar dinheiro e chegar a casa, ver e rever o sucedido na Benfica TV.
O Benfica percebeu que o sucesso desportivo no século XXI significa agarrar as emoções dos sócios, dos adeptos, dos simpatizantes, tratando-nos muito bem, dizendo-nos, de mansinhos, 'não saiam de cá'. E nós, enquanto formos tão bem tratados, não saímos. Ou melhor, nós até podemos sair, mas a mística não sai de nós."
Sofia Rocha, in Mística
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