"Há quem ache que está tudo bem, entre os quais o próprio selecionador. No entanto, Portugal não joga nem muito nem bem, e quem nisso acredita põe a nu as próprias limitações
O tempo passa, mas os conceitos continuam os mesmos. Roberto Martínez garante que «jogamos muito e bem» e atira que «os futebolistas merecem respeito» ainda que não haja nada neste mundo que não seja alvo de crítica, quando já Fernando Santos, o então selecionador nacional, ao ser encostado às cordas pelas opiniões negativas, dizia: «Para mim, jogar bem é ganhar!» Tal como acontecerá com o espanhol, a tirada nunca afastou a argumentação contraditória, ainda que este tenha mantido o lugar enquanto se mostrava insuficiente para dar o passo seguinte: passar de ganhar como equipa pequena, no losango de quatro médios e Nani a tentar potenciar a capacidade finalizadora de Cristiano, para continuar a fazê-lo enquanto equipa grande, alimentada já pelo muito talento que jorrava para dentro da Cidade do Futebol.
Aquela primeira Liga das Nações, sempre agrafada ao discurso de campeão europeu, primeira do seu género, jogada em casa e disputada diante de adversários de classe média como Suíça e Países Baixos — os neerlandeses eliminaram de uma só vez Alemanha e França, que encararam a nova prova como palco de experiências —, e depois de vencer um grupo com Itália e Polónia, chegava para, na perspetiva de treinador e dirigentes, anular a ideia de feito único a algo que sempre mais fruto das circunstâncias do que propriamente a afirmação do futebol do país. Os três empates na primeira fase do Euro que estreou o apuramento dos terceiros melhores classificados, lugar em que caiu Portugal, para os encontros a eliminar; o golo desnecessário do islandês Arnor Trautasson aos 90+4 diante da Áustria, que atirou os lusos para a metade do calendário com os rivais mais acessíveis; a primeira vitória a chegar apenas nas meias-finais, diante de Gales, após o prolongamento com a Croácia e os penáltis diante da Polónia; e finalmente a final hollywoodesca com a invasão de traças gigantes, Ronaldo retirado de campo pelo vilão Payet, as bolas ao poste, o desperdício de Griezmann, a fezada em Éder, até aí com três golos com as quinas ao peito e apenas 13 minutos jogados nos dois primeiros encontros… foram relâmpagos a mais a cair no mesmo sítio.
Fernando Santos e Éder tornaram-se heróis. O fator aleatório no momento mais importante para o futebol português saiu reforçado pouco depois. A dívida de gratidão do selecionador para Éder durou cinco jogos. Foi titular em dois. Um ano depois, estava esquecido. Ao mesmo tempo, a do país inteiro para com o técnico pareceu eterna. Sobreviveu a várias más campanhas, até decidir, já muito para lá dos limites, que Ronaldo já não podia ser titular. O homem que melhor tinha lidado com o capitão estava esgotado. A decisão, já com juros de mora, que poderia vir a ser muito importante para o futuro da Seleção tornou-se o catalisador do seu despedimento. Estava em causa muita coisa, até os muitos patrocínios que acompanham o capitão, dado o estatuto de lenda, plenamente justificado, que abre muitas portas, mas cada vez menos as das balizas em fases finais, perante adversários de dimensão superior.
Era preciso contratar quem voltasse a unir as pontas soltas. Roberto Martínez tornou-se o candidato ideal do ponto de vista de quem morava na Cidade do Futebol. Bom comunicador, até se comprometia a falar em português – os elogios que recebeu por isso são apenas mais uma prova da forma datada como olhamos para o jogo –, criava um núcleo de jogadores dos quais nunca abdicava e acompanhava ainda o desejo generalizado de jogar um futebol mais atrativo. Na altura, achei bem que a federação procurasse fora do país um técnico que conseguisse criar a tal matriz ofensiva. No entanto, recordo-me que também alertei que, apesar de não concordar com a ideia de desperdício da Geração de Ouro belga que se lhe colara como rótulo, o espanhol era alguém que tinha aguentado Eden Hazard no 11 quando já se arrastava, jogava na defesa com veteranos que tinham ido para o futebol saudita, apesar de ter uma boa geração jovem à porta, e o seu nome não era condizente com a rotura e reestruturação pretendidas e nevessárias. Quando muito se fala na necessidade de procurar fora para escapar a vícios, o novo selecionador trouxe consigo os seus, que encaixavam naqueles que seria preciso salvaguardar. Reconheço. Jogada de mestre para os interesses federativos, não para todos os restantes.
A lição de 2016, que parecia ensinar-nos a diferenciar felicidade de identidade, acabou esquecida no conforto das qualificações. Ainda que não acredite que Martínez seja a pessoa certa para transportar a Seleção para nova dimensão, a verdade é que teve os jogadores consigo na última Liga das Nações e esse terá sido o seu segredo num triunfo bem diferente do de 2019: na Alemanha, diante da Mannschaft e da campeã europeia Espanha. E numa altura em que já lhe apontavam a porta da saída. A questão é que, se calhar, nesta fase, Martínez pode ser mesmo o melhor a que podemos aspirar nos próximos tempos. Mesmo que José Mourinho estivesse disponível, como disse antes.
Tanto jogar bem não é ganhar — pode-se ganhar de milhares de formas e feitios — como Portugal só «joga muito e bem» na perspetiva de Martínez. É esta precisamente que está errada, o que é péssimo sinal para o espanhol, porque traça aí o seu limite. A Seleção tem o apuramento praticamente garantido e o estranho aqui será já não se conseguir o pleno de vitórias, mas pode fazer muito mais e melhor, tanto no controlo, como nas transições, na defesa de bolas paradas e cruzamentos e ainda na organização ofensiva, seja ou não diante de blocos baixos. Precisará de decisões difíceis, as que o espanhol não consegue tomar. Para defender melhor tem de defender com todos, para estrangular o rival todos têm de pressionar (e não basta correr na direção da bola), para criar mais e mais oportunidades todos têm de pensar no coletivo como a prioridade das prioridades. Ou seja, a próxima decisão individual tem de ser sempre a que faz a equipa aproximar-se do seu objetivo. O melhor 11 nunca foi nem será a soma dos melhores 11."

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