"Nascido em Lisboa, Casemiro do Amaral foi o único português a jogar na seleção do Brasil.
Lisboa, ano da graça de 1892. O António Maria avisava os leitores: «Ao mesmo tempo que a imprensa séria começa a cultivar o humorismo, o António_Maria passa d’ora em diante a ser um jornal sério, circunspecto, e a usar como emblema uma manga de alpaca». Penas de elite espalhavam-se pelas páginas, fazendo caricaturas, blagues, charges, calembours e as nossas tão patrióticas chalaças: Rafael Bordalo Pinheiro, o poeta Guilherme de Azevedo (que usava o pseudónimo João Rialto), Ramalho Ortigão (João Ribaixo), Guerra Junqueiro, Alfredo Morais Pinto (Pan-Tarântula), João Broa, Emílio Pimentel, Enrique Casanova, António Ramalho, Ribeiro Cristino, Columbano Bordalo Pinheiro, Manuel Gustavo… Ninguém para botar defeito, como dizem os brasileiros.
No dia 14 de setembro nasceu Casemiro do Amaral, um daqueles ilustres desconhecidos que pululam à solta pela História da Humanidade. Também o grafaram como Casimiro, mas já se passou tanto tempo que não consigo encontrar muitas diferenças entre o e e o i. Seja, não é a coisa mais importante. Casemiro, chamemos-lhe assim até porque é o seu nome, ainda era uma criança, já não de usar cueiros mas certamente de calções. Os pais, apertados pela bancarrota provocada pela falta do ouro que tanto tempo viera do Brasil, via a monarquia entrar nas vascas da agonia._Do Brasil não vinha apenas o ouro, vinha o dinheiro de muitos colonos que deixaram de o enviar para a capital. O The Economist andava a avisar desde 1880: «Os mercados monetários da Europa estão a ficar cansados, e não sem razão, da constante solicitação por Portugal de novos empréstimos». O Zé Povinho de Bordalo com a mão estendida à espera de umas lecas. A falência do banco Baring Brothers, o principal parceiro português na City, rebentou com as inevitáveis reservas de ouro que hoje já nada significam. Seguir-se-ia o Ultimatum. Portugal não era assim tão bom para se viver, afinal.
O sr. Manuel do Amaral pegou na família, meteu-se no vapor, e atravessou o Atlântico para ser merceeiro. Não consta que tivesse bigode, mas se o enfeite supralabial fizesse parte do seu encanto, valeria certamente mais do que o avental. Sem surpresa, o filho tornou-se jogador de futebol. À baliza. Primeiro tímido, como qualquer garoto, depois decidido e elástico. Em 1911 estava no America Football Club, do Rio de Janeiro, clube que tinha sido fundado dezassete anos antes. Um ano depois seguiu para São Paulo e para o Sport Club Germania cujo nome não engana. Saíra da pouca imaginação de um fulano chamado Hans Nobiling, vindo de Hamburgo onde jogara no Germania alemão. Batia tudo certo.
Casemiro também não durou muito tempo no Germania. O seu estilo temerário dava nas vistas, começou a ser cobiçado. Digamos, sem pudor, que a sua carreira só começou verdadeiramente no Corinthians pelo qual se estreou com 21 anos no campo do Prado da Mooca, que começou por ser um hipódromo com relva adaptada no centro da pista. Aí jogou com gente que marcou a história do clube: Joaquim Rodrigues, Luigi Fabbi, Amílcar, Joaquim e Campanella.
Casemiro resolveu estudar pelo caminho. Em São Paulo. Inscreveu-se no Mackenzie College e representou a Associação Atlética da instituição. Sempre à baliza, sempre valente, sempre dedicado. Mas o chamado do Corinthians tinha a força de um canto de sereia. Voltou. E permaneceu por lá até 1920. Tempos maravilhosos para o filho do sr. Amaral. O clube foi campeão paulista, disputaram-se as primeiras rivalidades que duram até hoje -_Paulistano, Santos, Palestra Itália (agora Palmeiras) –, construiu-se o primeiro estádio, o Ponte Grande, junto à Ponte das Bandeiras, na Marginal Tietê. Ele, que ainda é recordado por ter sido o primeiro guarda-redes do Corinthians a defender um penálti, teve a honra de ser o único português a representar a seleção brasileira, nos Campeonatos Sul-Americanos de Futebol de 1916 e 1917. Morreu cedo, em Santo Anastácio, no dia 8 de outubro de 1939. Tinha 47 anos, foi enterrado como um homem probo. Deixou saudades. No Brasil recordam-no. Portugal esqueceu-o porque sofre muito dessa doença do esquecimento. Casemiro ou Casimiro, pouco importa."

Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!