"Ana Catarina Mendes, ministra que tutela o Desporto, quando questionada no parlamento, na última semana, sobre as perspetivas custo/benefício da co-organização do campeonato do Mundo de 2030, manteve a sobriedade e o recato, e não quis alongar-se demasiado sobre a matéria, por prudência, atendendo a que faltam ainda seis anos e sete meses para o kick off, no estádio Centenário em Montevideu, palco de dez jogos, um século antes, do primeiro Mundial da história. Porém, a governante deixou duas certezas: a primeira de que não será preciso construir novos estádios; a segunda de que o evento será financeira e infraestruralmente benéfico para Portugal. Ao contrário do que sucede com Espanha, que não organiza um grande evento de futebol desde 1982, ou de Marrocos, que nunca albergou um competição planetária, o nosso País foi sede do Euro-2004 e, do ponto de vista da edificação de estádios, está bem servido.
E, por mais que se aceite que era possível ter feito o Europeu com menos estádios (se o tivéssemos sugerido, a organização teria sido entregue a Espanha, porque o maior trunfo argumentativo da candidatura portuguesa foi precisamente a renovação do parque desportivo), e ainda que em muitos casos houve uma megalomania que acabou em despesismo sem retorno (em vários estádios, nomeadamente Aveiro, Leiria, Coimbra e Algarve, era possível ter criado bancadas provisórias, como fez agora o Catar, evitando o sobredimensionamento que se tornou, ao longo das últimas duas décadas, evidente), a verdade é que organizar o Campeonato da Europa de 2004, seis anos depois da Expo-98, rasgou um País novo, mais aberto ao Mundo, e com resultados, intangíveis à altura mas que agora são mensuráveis, no boom turístico entretanto espoletado.
Custos razoáveis que são investimento
Co-organizar o Mundial de 2030, onde deveremos albergar entre 15 e 18 jogos nos estádios da Luz, Alvalade e Dragão, terá custos razoáveis, derivados, sobretudo, de novas infraestruturas para o País, exigidas pela FIFA, e constantes do caderno de encargos assumido pelo Governo, nomeadamente ao nível da ferrovia e demais transportes públicos, por estrada ou por ar, da capacidade hoteleira e da fiabilidade do sistema de saúde.
Ao contrário de Marrocos, que se prepara para gastar 500 milhões de euros num só estádio, em Casablanca e que irá desenvolver outros projetos, em várias cidades, ou de Espanha, que entretanto já viu Real Madrid, Atlético de Madrid, Athletic Bilbao e agora Barcelona com novos ou remodelados estádios, mas vai investir noutras localizações, Portugal deverá centrar esforços num tipo de modernização que aproveitará a todos, sendo o Mundial apenas um pretexto para as coisas serem feitas em tempo útil (e sabe-se como, sem prazos, Santa Engrácia continuará a andar por aí, como aconteceu durante décadas com o Alqueva, ou sucede, quase desde o tempo em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral atravessaram o Atlântico Sul, com o novo aeroporto de Lisboa).
Mais uma nota, que é relevante: haverá uma obrigatoriedade de proporcionar condições de treino às seleções que por cá vão atuar. Que já estão feitas, e são de nível mundial, em Alcochete, Seixal, Olival ou Braga, além de estádios que podem ser incorporados neste esforço, e que acarretarão despesas irrelevantes. Aliás, optar por não rentabilizar, neste contexto, as infraestruturas desportivas existentes, seria um ato, no mínimo, de gestão danosa…
Mas, apesar da prudência de Ana Catarina Mendes perante o parlamento, será possível fazer, desde já, contas ao Mundial português de 2030? Tentemos, socorrendo-nos dos números que têm sido avançados em Espanha, e procurando adaptar a realidade deles à nossa, numa escala de um para quatro, ou seja, dividimos por quatro o que nuestros hermanos projetam para o seu próprio país.
Prever Portugal através da Espanha
Esperam os espanhóis gastar (à data de hoje, e a verdade é que estas realizações acabam sempre inflacionadas, por cá e nos outros países…) 1430 milhões de euros com o Mundial. Digamos, então, que Portugal despenderá de 350 milhões para cumprir a sua parte (embora a ferrovia espanhola seja boa e a nossa não, o que nos acarretará maior investimento, e, por outro lado, que os nossos vizinhos tenham de gastar mais em estádios do que nós).
E que impacto positivo antecipa Espanha? Apenas dez mil milhões de euros, entre alojamento e gastos dos turistas do futebol. Seguindo a mesma lógica, podemos estar a falar de 2,5 mil milhões para Portugal que, segundo os números espanhóis, terá um acréscimo de 26 mil novos empregos e um aumento do PIB na ordem dos mil milhões.
Mas, e aqui voltamos à discussão de 1998 e de 2004, onde mentes de vistas curtas fizeram contas de merceeiro (com o devido respeito para a classe), não nos podemos esquecer de acrescentar os lucros intangíveis, provenientes da visibilidade acrescida de Portugal a nível planetário, e da importância que terá no futuro, em todas as áreas.
Não é por acaso que, quando há um grande evento, os candidatos se multiplicam. É que cada vez, especialmente a partir dos Jogos Olímpicos de Los Angeles-84 e, dez anos depois, do Mundial de futebol realizado nos Estados Unidos, estes eventos passaram a ser, em boa parte por causa dos direitos televisivos, que hoje em dia transcendem em muito as plataformas tradicionais, mas também devido a uma mobilidade turística cada vez maior, fruto de fenómenos como as companhias low cost ou os Airbnb, uma árvore das patacas que todos querem abanar.
Faltará falar da importância que Fernando Gomes e a sua equipa — e de Tiago Craveiro, que continua a ser inestimável mais-valia — tiveram na negociação política de um processo que chegou a ter a Ucrânia como partner, e acabou por dar xeque-mate à concorrência com a inclusão (justificada histórica e geograficamente) de Marrocos. Não é o futebol português, ou os adeptos de futebol, que lhes devem estar gratos, é o País no seu todo, que volta a ter oportunidade para dar um salto quântico no crescimento.
Será que o Estado podia fazer melhor?
E é aqui que fica na boca um travo amargo a ingratidão do Estado face ao futebol, que é traduzido numa carga fiscal redutora, que nos deixa em desvantagem concorrencial com os nossos pares externos. Devia ser mais do que tempo para o Governo (e já não será neste Orçamento de Estado para 2024) olhar menos para o politicamente correto, ou para o que poderá sair dos residentes nalgumas capelinhas, que vivem e falam em circuito fechado, sem o impacto nacional que muitas vezes lhes é indevidamente creditado, e fazer justiça fiscal ao futebol, que, apesar de culpas próprias e comportamentos censuráveis e lamentáveis (e o futebol, nesse particular, será pior que a banca, a política ou a construção civil, ou, ao invés, apresenta os mesmos defeitos e virtudes da restante sociedade?), serve para umas coisas e não serve para outras…
Direito a um pouco de especulação
Como estará o futebol português em 2030? Terá acontecido algum milagre suscetível de parar a queda dos clubes nacionais no ranking da UEFA? Uma coisa pode ser dada como garantida, atendendo à forma como a formação é cuidada no nosso País: nos próximos anos, até ao Mundial, vão emergir novos talentos, que irão disputar um lugar no onze luso. Porém, se nos quisermos manter no âmbito dos futebolistas que já conhecemos, seria possível antecipar uma equipa assim (entre parêntesis a idade em 2030), em 4x3x3: Diogo Costa (30); Dalot (31), António Silva (26), Gonçalo Inácio (28) e Nuno Mendes (28); Florentino Luís (30), Daniel Bragança (31) e João Neves (25); João Félix (30), Gonçalo Ramos (28) e Rafael Leão (30).
E aos novos, que não antecipamos quem possa entretanto dar o salto, embora seja certo e seguro que muitos o farão, ainda podemos acrescentar jogadores quem em 2030 serão mais veteranos, mas nada que se compare com Pepe ou CR7: Rúben Dias (33), Bruno Fernandes (36), Bernardo Silva (35), João Cancelo (36), Diogo Jota (33), Pedro Neto (30) ou José Sá (37).
O futuro é já ali, e 2030 é um bom ano para agarrá-lo…"