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quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Futebol português e o barulho de fundo


"A pausa para as seleções seria uma excelente oportunidade para abrir as janelas e deixar uma brisa de ar fresco entrar no futebol português, quanto mais não seja pela ausência de assunto. Mas eis que, neste período, surgem duas novas formas de análise ao arranque mais ou menos bizarro - para não chutarmos para termos mais desagradáveis - da nova época futebolística em Portugal. Ambas, embora aparentemente mais polidas e despojadas, ajudam precisamente o mesmo que as opiniões inflamadas e enviesadas que chegam de jogadores, treinadores, de clubes, de comentadores e quejandos.
Ou seja, nada.
Ao primeiro tipo de discurso podemos chamar de positividade ingénua, que é aquilo que parece nortear as declarações do selecionador nacional Roberto Martínez. Quando apresentou a lista para os jogos com Eslováquia (que Portugal entretanto já venceu) e Luxemburgo (contra quem jogamos esta segunda-feira), o espanhol foi questionado sobre as impressões que nestes meses foi tirando do futebol que o recebeu, respondendo docemente sobre as maravilhas “da competitividade da liga”, das “suas histórias” e atirando um sonoro “adoro o futebol português” perante a pergunta. É certo que ninguém lhe exigiu um relatório sobre os acontecimentos das últimas semanas, que passou pouco tempo desde a sua chegada a Portugal, mas de alguém que passou anos e anos em Inglaterra, que tem um olhar exterior e desprendido da nossa realidade, algo que precisamos muito, talvez se pedisse algo mais. A liga portuguesa adoraria ser competitiva e o que aconteceu na Supertaça ou a rábula do VAR sem bateria não são histórias simpáticas e engraçadas.
A visão algo cor-de-rosa que Roberto Martínez parece ter do futebol português não é, note-se, o fim do mundo, mas é um afago de alma numa altura em que talvez precisássemos era de um tratamento de choque. Que poderia vir, por exemplo, do capitão da seleção nacional. Começou bem Ronaldo sobre o tema, reconhecendo as polémicas e como elas não são boas para o futebol nacional, para a sua imagem lá fora. Cristiano Ronaldo abriu um jornal e não gostou do que viu, fala-se pouco de futebol cá dentro. Tem toda a razão, apesar de não ter, ali, aportado qualquer ideia para a elevação do nosso futebol. Anos e anos de futebol ao mais alto nível, de experiência nos melhores campeonatos, dar-lhe-iam bagagem e moral para tal.
Não se pode, é claro, exigir a solução da salvação do futebol nacional a Cristiano Ronaldo. Mas podemos pedir, pelo menos, realidade. Porque eis que, logo depois de falar de circo e de descrença e de “40 canais” a opinar, Ronaldo dá uma guinada para uma inopinada e inusitada comparação com a liga saudita, que diz já ser melhor do que a portuguesa porque tem “melhores jogadores” (correto e normal, até porque por cá não temos poços de petróleo) mas também porque “não há tanto barulho”.
Dizer que a liga saudita é melhor que a portuguesa porque “não há tanto barulho” quase torna positivo e aliviante o barulho da liga portuguesa. Porque aqui, pelo menos, pode haver barulho, crítica, opiniões, sejam elas construtivas ou não. Com todos os problemas do nosso campeonato, pelo menos ele acontece num país livre, em que não se esquartejam jornalistas e onde os direitos das mulheres estão salvaguardados. Que jogadores como Ronaldo ou Jordan Henderson tenham escolhido acabar a carreira (ou Messi tenha aceitado ser embaixador do turismo) num país onde “direitos humanos” é apenas uma expressão sem efeitos práticos são escolhas. Acreditar que há ensinamentos que podemos recolher da liga saudita já é levar a narrativa para o campo do esotérico.
Posto isto, entre os elogios e a crítica, convém que eles sejam construtivos, que tragam algo à discussão e não sejam apenas palavras inodoras ou, pior, descabidas e despropositadas. Senão tudo se torna tão ensurdecedor barulho quanto o barulho gerado pelo nosso futebol."

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