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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

As artes marciais e a Comissão Directetiva das Artes Marciais


"As disciplinas de combate codificadas no Ocidente ou no Extremo-Oriente oferecem uma “palete” muito diversificada de modalidades de práticas e atraem um efetivo considerável de praticantes, socialmente muito diferenciados. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, as chamadas artes marciais ocupam um lugar cada vez mais importante no espaço dos desportos ocidentais, nomeadamente em Portugal. Em território nacional, antes de se tornarem práticas desportivas acessíveis a todos(as), elas foram consideradas armas perigosas que precisavam ser controladas (Rosa, 2007).
Em 1968, pelo Decreto-Lei n.º 48462, de 2 de julho, a prática das artes marciais foi pela primeira vez objeto de regulamentação especial, face à conveniência de um controlo estatal disciplinador destas atividades. Procurou-se então adotar medidas que justificavam, aos olhos do Estado, a necessidade de reprimir o ensino incorreto, a exploração do seu mercado e a proteção dos praticantes que se dedicavam de forma honesta à sua prática. Procurava-se, assim, salvaguardar os interesses da segurança do país.
O Decreto-Lei n.º 105/72 de 30 de março reforçou estas ideias e criou um organismo próprio para superintender estas atividades, a Comissão Diretiva das Artes Marciais (CDAM), tendo ficado na dependência do Secretariado Geral da Defesa Nacional. Em 1974, foi transferida para o Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA). Nos termos do artigo n.º 1 deste decreto-lei, a prática das artes marciais dependia da prévia autorização da CDAM. Ao fazerem a sua inscrição nos centros legalmente autorizados, os candidatos tinham de apresentar vários documentos (requerimento em papel selado, boletim de inscrição, certificado de habilitação psicofisiológico). Vários jornais da época dão conta da tensão existente entre os clubes/associações e a CDAM, acusando-a de organização fascista ao serviço da Direção-Geral de Segurança (DGS).
Relativamente a um artigo dedicado às artes marciais, publicado no jornal República n.º 15.584, de 7 de novembro de 1974, a CDAM dá o seguinte despacho interno: “considero que poderá ser feito um artigo que desfaça todas as insinuações que ultimamente têm vindo a lume, mas não se deve dar o ar de que se está a responder, a fim de se evitar polémica desnecessária” (Proc. 10.02, de 12/11/74). Numa outra informação interna da CDAM (n.º 2, Proc. 10 de 7/02/75), é referido que “a chave do controlo dos praticantes das artes marciais, encontra-se exactamente no controle estreito dos seus agentes de ensino”. Desta forma, “a repressão aqui é não só ineficaz, como agravante, o remédio é usar o próprio mal, mas de forma racional e controlada”.
Os praticantes, por seu turno, também manifestam o seu descontentamento com a ação da CDAM. Transcrevemos aqui o excerto de uma carta enviada para esta Comissão, datada de 21/12/1976: “Mais uma vez me dirijo a V. Exas lamentando sinceramente a inoperância que infelizmente eu constato na existência dessa comissão e pergunto Porquê, e para quê existe a comissão? Será que o ministério da defesa criou um organismo morto para justificar o ganho de mais uns cobres para elementos componentes dessa comissão? Se a comissão é inoperante, porque existe? É uma vergonha que uma comissão que existe há cerca de três anos ainda não tenha apresentado um trabalho válido, bom, também de militares de carreira não se pode esperar muito, primeiro as promoções! Como estamos em época de boa vontade, V. Exas não poderiam se faz favor pôr cobro às palhaçadas que continuam a fazer-se no nosso país à sombra dessa comissão?”.
Com o passar dos anos, a CDAM foi sendo afeta a vários ministérios. Pelo Decreto-Lei n.º 507/80 de 21 de outubro, foi reintegrada no Ministério da Educação e Ciência (MEC). Por força do Decreto-Lei n.º 507/80 de 21 de outubro, foi transferida para o Ministério da Qualidade de Vida (MQV). Com o Decreto-Lei n.º 279-A/85 de 19 de julho passou a ficar dependente da Presidência do Conselho de Ministros. Com o mal-estar externo, passou a existir também um mal-estar interno. Num despacho (n.º 9-1-MEC/86), assinado pelo então ministro da Educação e Cultura, foi proibida a realização de uma reunião do Conselho Consultivo da CDAM, que teria lugar no dia 07 de junho de 1986. Da convocatória fazia parte a troca de impressões sobre a “interferência insólita da DGD [Direção Geral dos Desportos], com repercussões no funcionamento da Comissão”. No entender do ministro “as determinações que a D.G.D. tem transmitido à CDAM o são em execução de decisões do Ministro, sendo inaceitável que se convoquem as associações de artes marciais para discutir as orientações ministeriais em relação à CDAM”. A CDAM viria a ser extinta em 1987 (DR I Série n.º 33, de 9 de fevereiro de 1987, com o n.º 69/87). A parte introdutória vem esclarecer que:
- “A repressão do ensino incorrecto não é preocupação exclusiva das artes marciais, mas sim comum a todas as modalidades desportivas e formativas;
- A disciplina da prática desportiva vulgarmente designada ‘artes marciais’ deverá ser, preferencialmente, prosseguida através de mecanismos de auto-regulamentação, à semelhança do que sucede com as restantes modalidades desportivas, através das respectivas federações;
- Neste sentido, justifica-se, quer para as artes marciais, como para os restantes desportos de combate, uma adequada preparação dos agentes de ensino, o que já se encontra previsto no Decreto-Lei n.º 98/85, de 4 de abril, e no Decreto-Lei n.º 163/85, de 15 maio;
- Assim, carece de sentido a manutenção do apertado regime de condicionalismo actualmente vigente, bem como do regime de sancionamento penal que lhe é inerente, pelo que se impõe a sua revogação”. 
Ficaram assim expressas as razões que levaram o Governo de então a extinguir a CDAM, e a transferir para a Direção Geral dos Desportos (DGD) todos os direitos e obrigações de que era titular, bem como todos os bens móveis que lhe estavam afetos."

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