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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Gabriel anda a jogar com chuteiras antigas. Porquê? Apetece-lhe

"Gigantes como a Nike, Adidas e Puma estão a tentar negociar com o médio do Benfica, que está sem contrato de patrocínio porque gosta de jogar com as chuteiras que lhe apetece e ter a liberdade de escolher modelos "que sonhou ter" em miúdo, confessa à Tribuna Expresso. Gabriel tem jogado com botas que saíram no mercado há quase 10 anos, algo nada comum no futebol, onde os jogadores assinam acordos e jogam com os modelos, as cores e as últimas novidades que as marcas lhes enviam

Gabriel deambula pelo centro do campo em Alvalade, ei-lo como habitualmente, um volumoso conglomerado de músculos com arcaboiço para aguentar encostos, cargas e tentativas de desarme, um médio canhoto que cola a bola ao pé e, mesmo que às vezes deva à rapidez de execução, pisa, desvia, passa pela relva e corta-a para a levantar no ar e ser o pêndulo que voos controlados lhe dá.
No Sporting-Benfica, o brasileiro tem os pés amarelos, como antes já os tivera contra o Aves, o que pasmará ninguém porque não é de agora a apetência das marcas para o lado mais extravagante do mosaico de cores. Mas, no dérbi, Gabriel tinha calçado um par de Nike Total 90 II, modelo de chuteiras saído para o mercado em 2010 e uma anormalidade em 2020.
É incomum que hoje um titular de um clube grande, apoiado por milhões de adeptos, com todos os jogos televisionados, logo, visto por milhões, e que se mostrou na Liga dos Campeões, não tenha calçado o que uma marca quer - quase sempre o modelo mais moderno, na cor mais recente.
Gabriel, porém, não se importa. Está sem contrato e feliz da vida porque, em miúdo, ele e o irmão não tinham condições de ter as chuteiras e as bolas que queriam, mas, não impedidos de terem preferências, fixaram modelos. Um dia, queira a sorte e a vida, iriam tê-los. “Hoje que não tenho contrato com nenhuma marca, estou realizando o sonho que naquela época não era possível, então estou sempre a procura desses modelos antigos”, contou o jogador à Tribuna Expresso.
Estando sem contrato, dá-se ao luxo do desprendimento. Vai escolhendo as que tem na cabeça desde moleque, experimenta, descobre se gosta e testa-lhes o conforto. Antes de arranjar forma de ter o tal modelo da Nike, calçou umas Adidas Adipure, de 2009. “Ele usa a que vai bem, a que gosta mais e, às vezes, até brincamos com ele, dizendo que não é sensato. As que gosta mais hoje são as Mizuno”, explicou Nilson Santos, da Art Sports, agência que representa Gabriel.
O jus à palavra fez-se contra o Paços de Ferreira, este domingo. Gabriel calçou umas botas Mizuno, marca japonesa com muito menos pegada em futebolistas que jogam na Europa, um mercado que é dominado por Nike, Adidas e Puma, as três principais marcas que calçam os pés dos jogadores. "Temos algumas coisas muito bem encaminhadas com essas três marcas, mas o Gabriel ainda não decidiu. As propostas são muito boas, mas ele não quer. Por enquanto, vem forçando que quer Mizuno. Enquanto não escolhe, vai experimentando", explica a assessoria do brasileiro.
Para disfarçar, também já pintou de preto um modelo de chuteiras antigo, prática a que os jogadores recorrem quando estão em vias de assinar com outra marca, ou em negociações com várias ao mesmo tempo, sem querer denunciar preferências.

O Mundo De Quem Calça O Quê
Os anos passam e o dinheiro, cada vez mais, é o cerne que divide a questão no futebol. Os ganhadores e os perdedores descobrem-se entre quem o tem e quem não o tem, o fosso vai-se cavando com clubes, presidentes, empresários, direitos televisivos e marcas a digladiarem-se em lutas por zeros que ficam à direita de um número - e que cobrem os pés dos jogadores.
Não há chuteira que, factualmente, torne alguém melhor ou pior jogador. Há marcas a vender um modelo para o futebolista rápido, outro para o que chuta com força ou um feito especialmente para os pés de médios passadores de bola. Tendo um modelo desenhado especialmente para Lionel Messi, a Adidas faz crer que jogaremos como ele. O mesmo faz a Nike com Cristiano Ronaldo.
Ambos têm contratos vitalícios, valem dezenas de milhões de euros, mas são o topo de uma pirâmide obesa na base, porque lá está a maioria dos futebolistas profissionais. Nem todos recebem, em casa, pares do modelo de chuteiras na cor mais recente e são pagos, por uma marca, para os usarem em jogo, quando há câmaras de televisão a gravar e incontáveis pessoas a assistir.
Quando António Xavier subiu à equipa principal do Marítimo, na sua estreia na primeira liga, sempre gostara de chuteiras Nike e já as calçava, mas o empresário recebeu uma proposta da marca. “Tive a possibilidade de assinar um contrato de dois anos. Escolhes um modelo preferencial, depois, sempre que sai um novo, enviam-te pares. Além disso, tinha um plafond de 5 mil euros anuais para gastar em produtos Nike, à escolha”, explicou o português à Tribuna Expresso.
Fosse entrevistado ou falasse em público, “pediam que tivesse sempre um produto” da marca. Era obrigado a comparecer a eventos da Nike, caso o representante da marca assim o entendesse. “E personalizavam o nome só. O tipo de chuteiras moldadas ao pé acredito que só as grandes referências das marcas é que têm”, suspeitou, dando o exemplo de Ronaldo, “que joga com um tipo de piton misto”.
Xavier joga no Tondela, vai na sexta época seguida de primeira divisão e não mais teve um contrato de patrocínio. Continua a jogar com o mesmo modelo Mercurial, da Nike, mas compra as próprias chuteiras. Se, há coisa de 15 ou 20 anos, jogasse em Benfica, FC Porto ou Sporting, talvez isso lhe bastasse para receber fornadas de botas e equipamento da marca que patrocinasse o clube, prática que se foi tornando menos comum.
Algures entre 2002 e 2006, enquanto Ricardo Rocha lá jogou, os jogadores do Benfica tinham direito a chuteiras da Adidas que, coincidência, eram as predilectas (modelo Predator) do antigo defesa central. “Não me sentia bem com mais nenhuma. O Benfica era patrocinado e tinha direito a chuteiras, mas, depois, tive a felicidade de conseguir um contrato de patrocínio, o que para mim foi um sonho”, lembrou.
O contrato de Ricardo Rocha durou “quatro ou cinco anos”. A fidelidade à Adidas manteve-se, continuou a usá-la “com muito gosto”, porque “não conseguia colocar outras” nos pés ou “não [se] sentia bem”. A sensação nos pés, garante, é o mais valorizado por quem joga - “acima de tudo, o jogador vai para o modelo que lhe dá mais conforto, em que se sente melhor e lhe dá mais confiança”.
É, em parte, por isso que Gabriel já jogou com chuteiras de três marcas diferentes só em 2020. O brasileiro está a averiguar quais prefere e, mesmo que nos digam que as conversas apontam para um acordo com a marca que patrocina o Benfica, o brasileiro vai aproveitando uma raridade, procurando modelos antigos e “cumprindo um sonho” até ficar com os pés comprometidos."

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