"O Benfica foi à Serra da Estrela reutilizar Zivkovic, 128 dias depois, abusar dos cruzamentos, reagir mal às perdas de bola, produzir pouco e só evitar uma derrota (1-1) com o Sporting da Covilhã a oito minutos do fim. Um remate de Jota, na ressaca de um canto, manteve a equipa com hipóteses de se qualificar para a final four da Taça da Liga na última jornada da fase de grupos
Qual será a sensação de alguém que, a 1 de Julho, se apresenta no trabalho, retorna à cíclica vida de cedo acordar, sair de casa, treinar, comer, descansar, às vezes até treinar de novo, e nunca é tido como feitor de coisas suficientes durante a semana para, ao sábado ou domingo, executar a função para a qual lhe pagam um salário, que é jogar futebol?
Seja qual for, Andrija Zivkovic sentiu-a durante 128 dias. Terminada a pré-época, desapareceu nos meandros do Seixal, foi aparecendo e treinando, sem mazelas publicamente conhecidas a pararem-lhe o corpo, usando o sedoso pé esquerdo para se relacionar com uma bola e não convencer, sequer uma vez, o treinador a convocá-lo, até reaparecer na Covilhã.
Está frio, o campo é estreito, encurta espaços a quem pisa mais perto das linhas, joga-se uns 800 metros acima do nível do mar e o sérvio dos 84 jogos nas três épocas anteriores, do nada, volta a um Benfica que não se compunha assim, tão descomposto, quando ele era o velho Zivkovic, das recepções de corpo aberto à direita do ataque, cada controlo a querer associá-lo a companheiros, mais um extremo de jogo tabelado do que de arranque, finta, corrida e cruzamento.
O Benfica que Bruno Lage monta para quinto classificado da segunda divisão é fragmentado por jogadores, salvo Rúben Dias, com poucos minutos de equipa e menos ainda de convivência com quem têm a jogar ao lado, na Covilhã. A equipa não liga os médios com os extremos e avançados, há muito passe directo a sair dos centrais, demasiada pobreza de Florentino em recuar tanto na saída de bola para tão pouco jogo filtrar pela relva e estatismo da parte de quem espera para receber um passe.
A equipa onde Zivkovic, massudo nas coxas, generoso no perímetro abdominal e pesado nas acções, simplifica as ações e faz por colocar outros a mexer, joga a um ritmo lento, não mostra movimentos ligados nas muitas jogadas de organização ofensiva que tem (ao intervalo, 65% da bola é do Benfica) e ameaça, apenas, duas vezes.
Um livre cruzado para a área é desviado por Rúben Dias, de cabeça, para Gedson rematar à barra. E, num passe longo de Tomás Tavares para a área, Raúl de Tomás tira um central das suas costas com uma recepção orientada, vira-se e remata de pé esquerdo para o guarda-redes Bruno defender.
Mas, do outro lado, a baliza de Zlobin era atacada mais vezes, mais rápido e com mais remates, porque o Sporting da Covilhã terá visto os jogos do adversário, pressionou-o na saída de bola e, quando a recuperou, fez por usá-la de forma directa, vertical, rasteira e com poucos passes até alguém a ter, a menos de 30 metros do alvo, em posição de rematar.
Adriano Castanheira, um canhoto bom de bola por bem a usar com poucos toques, decidir quase sempre bem e valente por correr na Serra de manga curta, rematou uma vez para Zlobin defender e outra para a barra quase o substituir. Depois, esteve em contra-ataques frenéticos que quase sempre eram cruzados ou finalizados perto da área, perto de uma defesa desassistida por um resto de equipa desorganizada na reacção às perdas de bola.
E perto de sofrer o que sofreu logo aos 19 segundos da segunda parte, fruto de um cocktail de apatia, azar de três ressaltos e de uma equipa que fugiu ao banal chutão após retomar o jogo na grande lua. Os serranos tentaram pela relva, furaram um passe para o meio do bloco do Benfica e uma carambola deixou João Bonani só com Zlobin à frente para o 1-0.
O Benfica já tinha Carlos Vinicíus em campo, abdicando do abuso de passe lateral de Florentino, mas, até à hora de jogo, quando Nuno Tavares cruzou uma bola que bateu no poste e Zivkovic, escorrendo suor, saiu para Pizzi dar uso à seu amor por tabelas, toca-e-vai e acelerações no ritmo da troca de bola, a equipa não reagiu.
Quando o começou a fazer, forçou o Sporting da Covilhã a encolher, ainda mais, as linhas que já encostara à própria área. Com os jogadores tão juntos e os adversários pressionantes e avançados, os serranos já não conseguiam contar segundos com bola para respirar. O Benfica tinha mais jogadores de frente, com bola, nos últimos 40 metros, abusando, porém, dos cruzamentos dos laterais Tavares.
Apenas um foi utilizável na cabeça de Vinicíus, cuja cabeça fez uma bola rasar o poste, e a tendência de atacar por fora e cruzar, aconteça o que acontecer, só era contrariada por Taarabt e o seu critério marroquino em tentar passes verticais e rasteiros, que batessem linhas e encontrassem recepções de um dos avançados.
O golo da equipa que encostou a outra às cordas, mesmo que nunca a desorganizando ao centro, apareceu num canto: o primeiro homem da defesa à zona do Sporting da Covilhã desviou a bola para a entrada da área e Jota, de primeiro, rematou de pé direito.
Nos oito minutos restantes, o Benfica continuou a acasalar com cruzamentos e a multiplicar-se em mais do mesmo. A ressaca de outro canto, à entrada da área, ainda deixou Jota quase curar o mal de um empate, o segundo na Taça da Liga, que obriga a equipa a ganhar na última jornada e a jogar mais - ou, por outras palavras, a variar o jogo atacante, não depender tanto da inspiração de quem tem a bola e ligar mais movimentos colectivos que desorganizem o adversário.
Porque nem sempre haverá uma bola parada que pára a ordem do jogo e cria um jogo à parte onde não importa quem está por cima ou por baixo. Nem aparecerá uma certa letra do abecedário a rematar no meio dessa desordem."
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