"Único guarda-redes português a ganhar a Taça Latina, o primeiro do Benfica na Europa; Até camisola teve de pagar
1. A primeira vez que o Benfica disputou jogo para a UEFA foi em Setembro de 1957 e seu guarda-redes foi ele. Para a Taça dos Campeões, perdeu em Sevilha por 3-1 e, em A Bola, Cândido de Oliveira considerou-o a «grande figura do Nervion», revelando que vendo-o «defender o que parecia impossível», se soltaram, várias vezes, dos adeptos espanhóis «ohs!» de exclamação - e, alguns, de quando em quando, gritam em pasmo: «que barbaridade!» - pelo modo como evitou que vários outros golos lhe entrassem baliza dentro...
2. Até aos seis anos, viveu um Alquerubim, nas margens do Vouga. Por lá ganhou a «mania de jogar com toda a espécie de bolas» - e já em Lisboa ela espicaçou-se-lhe. «Não era guarda-redes que gostava de ser. O que queria era andar a correr com a bola, a marcar golos. Por isso, quando, aos 14 anos, comecei a jogar no Estrelas do Castelo, o clube do bairro, era interior - e por causa da chuva é que a baliza me apanhou. Tínhamos de jogar com equipa do intendente, o nosso guarda-redes não apareceu por receio de que chovendo tanto se constipasse - fui eu fazer o jeito e ficaram todos malucos comigo».
3. A partir dessa tarde molhada, não largou mais a baliza do Estrelas do Castelo: «Na primeira categoria, o guarda-redes era eu, mas, sabendo-me do gosto, deixavam que, nas reservas, jogasse a avançado. Era tudo amor ao futebol pagava 7 escudos por semana para a ajuda do aluguer dois campos, lavagem dos equipamentos, coisas assim - e para ficar mais baratinho ia a pé do Castelo até ao campo do Lisbonense, ali para os lados do Hospital Júlio de Matos».
4. José, o irmão, era campeão de atletismo no Benfica - e, andando ele pelos 15 anos pediu a Janos Biri que o experimentasse no futebol - gostou, disse-lhe que voltasse quando tivesse idade para juniores. «Continuei a ir ao Campo Grande, não para treinar futebol, mas para treinar atletismo».
5. Alberto Freitas era no Benfica o que Moniz Pereira já era no Sporting - e afirmou-lhe, certa tarde: «Olha lá, rapaz. Se te dedicares a isto, hás de ser campeão e dos grandes». Corria os 700 metros, mas era no salto em altura que mais se destavaca. «Não deixei, porém, de jogar futebol no Estrelas e, por vezes, no Desportivo do Castelo - e aos 16 anos lá voltei ao futebol». Biri nem sequer o pôs a teste - mandou-o logo «fazer ginástica». O seu primeiro jogo foi nas Salésias. «Não sofri nenhum golo, deram-me 10 escudos de prémio, dei-me ao luxo de comprar todos os jornais para ver o meu nome lá. Não por vaidade, mas pela satisfação de pensar que começava ali a escrever-se a minha história...»
6. Fulgor nos juniores, levou a que depressa o puxassem para a equipa de reservas. Na temporada de 1948-1949, já com Ted Smith a treinador, pela baliza do Benfica passaram Contreiras e Pinto Machado. Na seguinte, o campeonato ainda se fez com o Contreiras, o Eduardo Gomes, o Mário Rosa - mas à jornada 21, passou a baliza para ele. Esse seu primeiro jogo pela equipa principal do Benfica foi com o Lusitano de Vila Real de Santo. Venceu-o por 4-1, «o golo deles foi do Manero». Não mais saiu da equipa - e 15 dias depois, apesar da vitória do Sporting por 3-2 no Jamor (que não impediu a conquista do título), por vários jornais apareceu, repetida , a frase: «O Benfica perdeu o jogo mas ganhou, enfim, um guarda-redes».
7. Com ele firme na baliza, se deu, semanas depois, a conquista da Taça Latina - e a partir foi sendo, sempre em maior fulgor, o que Alfredo Farinha disse que era: «Guarda-redes muito calmo, nada o perturbava, nada lhe causava intimidação. Humilde e sóbrio, abominava dar espectáculo - e fazer defesas para a fotografia».
8. Quando Costa Pereira veio de Moçambique, atirou-o para o banco. Ainda houve um tempo em que titular tanto podia ser um, como outro (deixando as hostes divididas). A conquista do campeonato de 1956-1957, fez-se com ele na baliza (e não Costa Pereira) - e contou-o (anos depois): «No meio da festa dei a minha camisola a miúdo entusiasmado e tive de a pagar, descontaram-na no ordenado. Por isso, para mágoa minha, não tenho, hoje, nenhuma camisola com que joguei!» - camisolas que lhe deram 3 campeonatos, 5 Taças e a Taça Latina (que nenhum outro guarda-redes português venceu...)."
António Simões, in A Bola
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