"Fantástico o espírito de conquista e a contundência do Benfica de Lage (creio que já lhe podemos chamar assim) no Dragão. Vitoria memorável, merecida e com laivos de épica, tão grande o carácter demonstrado naquele estádio onde os benfiquistas costumam sofrer horrores; esteve a perder, deu a volta à situação com muita pinta e aguentou o aperto final com estoicismo, determinação e espírito marcial - um por todos... O que mais me impressiona no novo Benfica, além da melhoria evidente na organização (jogadores sempre muito juntos, em bloco, recuando e avançado como um harmónio), é a simplicidade mortífera das combinações ofensivas, a velocidade a que são efectuadas e a mobilidade dos seus intérpretes. O meio campo do Benfica não perde tempo a mastigar a bola nem se enreda naquelas trocas soporíferas para trás e para os lados (o Porto usou e abusou disso). A bola anda depressa nos pés dos médios benfiquistas, que a fazem girar ao primeiro toque - tac, tac, tac, tac, de um lado para o outro -, quase sempre em progressão de modo a fazerem-na chegar o mais depressa possível aos jogadores mais adiantados que, por sua vez, sabem muito bem o que fazer com ela. A qualidade técnica encarrega-se do resto. Este Benfica é uma equipa de futebol urgente, permanentemente ameaçadora. O Porto sentiu isso desde o início e nunca soube lidar com essa inquietação. A simplicidade, velocidade e perigosidade do jogo benfiquista lembra o futebol electrizante da primeira época de Jorge Jesus e, muito mais atrás, o rolo compressor do sueco Eriksson. Muito bem devem estar a trabalhar - já se percebeu que Lage é um obcecado do treino - para terem crescido tanto e tão vincadamente num tão curto espaço de tempo. Basta lembrar a meia-final da Taça da Liga (3-1 para o FCO a 22 de Janeiro passado) para perceber qual dos dois deu o grande salto em frente...
Quando era um jovem jornalista em início de carreira vi muitos jogos ao lado do Aurélio Márcio, um dos jornalistas históricos desta casa, com quem gostava de conversar. Ele já tinha visto ziliões de jogos e tinha uma percepção muito aguda das qualidades e defeitos das nossas equipas. O Aurélio insistia muito (sublinhava-o nas crónicas) na importância da velocidade - de meter velocidade naquele futebol tão tecnicista, tão adornado e muitas vezes tão falho de perigosidade/contundência como o nosso. Creio que algures lá em cima estará a sorrir com o futebol que o Benfica anda a jogar: depressa e bem. Não sei que onze irá a jogo amanhã em Zagreb para a Liga Europa, mas sinto que os meus amigos benfiquistas, de há dois meses para cá, esperam ansiosamente pelo próximo jogo, seja qual for o adversário. Há lá melhor sinal que esse."
André Pipa, in A Bola
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