"Num dos campeonatos pelo Benfica, até os cabelos lhe arrancaram; Pior, claro: a pleurisia - e depois o AVC...
1. O pai era funcionário da Editorial Enciclopédia Luso-Brasileira, um dos irmãos chegou a passar, como júnior, pelo Benfica mas cedo abandonou o futebol. Outro largou-o porque, estando no Arroios, partiu uma perna - e não quis mais jogar. Ele descobriu o dom no Futebol Benfica, de coração quente, correu atrás do destino (que, traiçoeiro, lhe foi cruel, bem cruel...)
2. No Futebol Benfica era avançado-centro, fulgor nos juvenis levou que Guilherme Espírito Santo e Ângelo Martins o desafiassem para o Benfica. Passou a lateral, fogoso e enleante - e não tardou que se apanhasse obrado de Otto Glória: «Eu quero aquele Ruço na minha equipa. O cara tem toneladas de fôlego e de intuição».
3. Tinha outra ideia: ser médico. Por isso achou que melhor seria ir para a Académica - e, por meados de 1968, ao acabar de fazer 18 anos, foi. Porém, do Benfica não paravam de lhe chegar pedidos para que voltasse - voltou para a época de 1971/1972, Otto já lá não estava, mas Jimmy Hagan nem pestanejou: deu-lhe a titularidade.
4. Nessa primeira temporada na primeira equipa do Benfica, coube-lhe apanhar o Feyenoord na Taça dos Campeões. Happel, o seu arrogante treinador, afirmou, provocador: «O Benfica é equipa de província» - mas não deixou de lhe acrescentar um ponto: «O seu lateral, sim: é o melhor da Europa». A ele se referia e ainda mais impressionante ficou com o que fez na Luz, na noite em que a «equipa de província» lhe ganhou por 5-1.
5. Casou-se com Matilde, bailarina do São Carlos. Com Hagan fora campeão em 1971/1972 e 1972/1973, com Pavic o foi em 1974/1975 - e esse foi o título que em Olhão se começou a desenhar em drama: o Benfica venceu por 1-0, com o jogo no fim adeptos em ira invadiram o campo e agrediram-no sem mais: em braços tiveram do levar para o balneário, sagrando da face e da cabeça, com contusões, traumatismos e cabelos arrancados. Só duas horas depois é que o autocarro do Benfica conseguiu mover-se por entre a turba, Toni e Vítor Baptista não estavam lá, tiveram de sair em carro militar, escoltados por uma brigada de metralhadoras em punho até Faro.
6. Campeão uma vez mais em 1975/1976 /com Wilson) e em 1976/1977 (com Mortimore) - por meados desse ano sofreu uma pleurísia. A primeira reacção dos médicos foi acharem-no condenado para o futebol. Talvez por isso o Benfica o tratasse como o tratou e contou-o: «Desde 1971 que ganhava o mesmo: 34 contos por mês (que hoje equivaleriam a menos de 3500 euros). Borges Coutinho prometera-me 500 contos e festa de homenagem quando renovasse o contrato, nessa altura Romão Martins só me quis dar festa de homenagem de 200 contos e 28 de ordenado. Não sei se achavam que como era benfiquista nunca sairia. Vendo-me empurrado dali para fora, magoei-me. João Rocha apanhou-me descontente e fui para o Sporting...»
7. No seu primeiro ano de Sporting ganhou a Taça ao FC Porto - e, a cada domingo, sucedia o que se pensou que era paródia e não era: «Ao intervalo e a primeira coisa que perguntava ao roupeiro era como estava o Benfica. Não, ninguém levava a mal, sabiam que eu nunca deixaria de ser do Benfica...»
8. Nessa época de 1977/1978 (com o FC Porto de Pedroto campeão), o treinador começou Paulo Emílio - e indo o Sporting jogar com o Riopele, foi mostrar o Minho à mulher. À hora do jogo não tinha aparecido no estádio - e decidiu-se que fosse ele, o Ruço, a orientar a equipa: «Ao intervalo estávamos a perder 2-1. Meti o Baltasar, tirei o Cerdeira, ganhámos 3-2. No final, lá apareceu o Paulo Emílio a dizer: Não há problema, eu sabia que vocês ganhavam! Depois, na Madeira teve brincadeira igual - e no Natal já não voltou do Brasil...»
9. Campeão no Sporting foi em 1979/1980. Rocha permitiu-lhe que fosse à América «ganhar dólares» - do Tea Men veio com AVC. Ao sair com vida da dura batalha, Júlio Isidro entrou com a sua Febre de Sábado de Manhã em espectáculo a seu favor: só os bilhetes para Alvalade renderam-lhe 1000 contos (que agora seriam cerca de 43250 euros). Em 2015 amputaram-lhe uma perna, um ano depois, outra AVC matou-o. Tinha 66 anos e de Eurico ouviu-se: «Era daqueles jogadores que iam sempre a morder a língua disputar cada lance, tinha sangue puro de jogador de raça - sempre genial...»."
António Simões, in A Bola
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