"O incorrigível Bruno de Carvalho (BdC) continua sem perceber que a fruta, quando apodrece, não volta a ficar madura. Acolitado por um cortejo de seguidores que poderá sempre variar em função dos resultados desportivos do Sporting (mas que dificilmente deixará de ser demasiado acanhado para as suas mal disfarçadas cobiças), o presidente deposto lançou há dias um prospecto rancoroso e propagandista, com 208 páginas. A obra, intitulada "Sem filtro", é bem capaz de ter no título o seu apogeu em termos de autenticidade e exatidão.
O seu polemizado recheio chegou-me graciosamente às mãos e, devo assumi-lo, até fiz um esforço para o ler, até por utilidade profissional. Mas renunciei rapidamente à penitência, após folhear aleatoriamente uma dúzia de páginas. E não foi tanto por o título do livro me remeter, de forma subliminar, para vetustos e nefastos vícios tabagísticos: limitei-me, confesso, a dar prioridade na leitura ao "The Book of Lies" (O Livro das Mentiras), um romance policial moderno que o norte-americano Brad Meltzer lançou em 2008. Pareceu-me uma escolha não só mais literata, mas também mais autêntica.
A verdade é que as diversas pré-publicações do "Sem filtro" e as múltiplas entrevistas de Bruno de Carvalho nas televisões e na imprensa, bem como a vasta cobertura com que a comunicações social obsequiou a apresentação pública do "Sem filtro" (longe vão os tempos em que BdC vozeava contra o quarto poder), acabaram por nos dar um panorama suficientemente abrangente do opúsculo.
Basicamente, BdC diz cobras e lagartos sobre todos com quem se cruzou nos corredores do futebol durante a sua imprópria passagem pela presidência do Sporting. Não se salva quase ninguém, incluindo muitos daqueles que lhe deram suporte até ao fim, como foi o caso do "vice" Carlos Vieira. Nem sequer a sua ex-mulher, mãe da sua filha mais nova, numa mistura mórbida do público e do privado que não é nova e que volta a indiciar uma redenção impossível e uma consciência atormentada. E caso se confirme a publicação do segundo volume de "Sem filtro", não é sequer de excluir a possibilidade de até o bichano doméstico ser acusado de perfídias e infidelidades… Vá lá, mantém-se cortês e deferente para com o "aliado" FC Porto, porque quem conhece a real história da sua relação com Leonardo Jardim só tem de desconfiar de elogios tão serôdios. No meio daquela verborreia, descobre-se que BdC questionava os planos de treino de Marco Silva e também uma insinuação que é falsa: após aquele inenarrável episódio da dor nas costas no banco de suplentes, não foi Frederico Varandas que fotografou o então presidente deitado na marquesa da enfermaria.
As teorias da conspiração e as conjuras de que BdC se diz vítima são tão rebuscadas como as palavras usadas no pedido de desculpa a Carlos Barbosa que recentemente teve de publicitar (e certamente pagar) nos jornais, para evitar, julgo, males maiores. Mas uma coisa é dar validade ou não a José Maria Ricciardi quando este contesta o episódio em que supostamente se ajoelhou aos pés de BdC e outra, bem diferente, é desprezar o estropício que este livro representa para um Sporting que se esfoça por sair do atasqueiro em que dirigentes pouco responsáveis o deixaram cair.
Esta tentativa livresca de higienizar um pouco a imagem de BdC só deve funcionar junto daqueles que, entre outras coisas graves, deitam para trás das costas a acusação relativa aos 98 crimes que pende sobre BdC, incluindo a de ser o principal instigador do ato mais infame de sempre no desporto português. BdC, que entregou uma caução para aguardar o julgamento em liberdade, tem obviamente direito à presunção de inocência. Mas não pode agir como se não estivesse a cumprir uma suspensão de um ano que o deve impedir de se recandidatar aos órgãos sociais do clube nos próximos seis anos. Salta à vista que ele quer aproveitar esse tempo para o "lifting" completo e para, ao mesmo tempo, arregimentar mais tropas no combate canalha à actual liderança.
Não ter percebido este cenário foi o erro mais preeminente da gestão transitória de Artur Torres Pereira e Sousa Cintra: Bruno de Carvalho devia ter sido expulso o mais rapidamente possível, como propunha a comissão de fiscalização. Se, nessa altura, foram expulsos sócios acusados de usurpação de funções, muito mais depressa deveria ter sido quem os nomeou para um órgão fantasma. E vai sendo tempo de ser conhecida a auditoria forense.
Guardaram-se os lenços
O Sporting passou, no espaço de três dias, da derrota e provavelmente da pior exibição da época, frente ao alquebrado Villarreal, para um triunfo suculento e uma prestação virtuosa perante o habilitado Sp. Braga. Guardaram-se os lenços nas bancadas e Marcel Keizer foi justamente elogiado por ter surpreendido o adversário com um sistema (3x4x2x1), um modelo e dinâmicas que, naquele jogo e perante aquele adversário, tornaram a equipa mais consistente e perigosa. Viram-se zonas de pressão bem definidas e uma primeira fase de construção com outra consistência. Abel Ferreira demorou demasiado tempo a perceber a armadilha, designadamente a forma inteligente como o Sporting arrastava Sequeira para projectar Ristovski. Saltou à vista que principalmente Acuña e Diaby ficaram mais cómodos nos novos papéis, o que não é surpresa, ao contrário da interessante adaptação de Borja a central. Wendel deve ter acabado com todas as dúvidas sobre a sua qualidade e Bruno Fernandes já valeria uns milhões estratosféricos se estivesse numa equipa mais exportável.
Mas este desfecho, que relança pelo menos a luta pelo terceiro lugar, também deve suscitar outro tipo de leitura, tendo em conta até as sete alterações no 11. Que é como quem diz: as segundas linhas do Sporting deixam muito a desejar e jogadores como Bruno Gaspar, Petrovic, Miguel Luís e mesmo Jovane não são (ainda) alternativas credíveis, ao contrário do que parece mostrar Doumbia. Tendo em conta as escolhas que foram feitas no último confronto da Liga Europa, pode mesmo questionar-se se as prioridades terão sido as mais corretas.
Mas a vitória do Sporting teve outro préstimo importante, designadamente para uma administração que continua a cometer erros comunicacionais de palmatória. Como se não bastassem algumas declarações pouco cristalinas e até comprometedoras do presidente antes do confronto com o Benfica, a conferência anunciada para sexta-feira (onde será feito um balanço e analisada a actual situação) foi marcada com quase uma semana de antecedência, o que foi, pelo menos, aventureiro. Até nisso ajudou o engenho de Keizer."
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