"Será que é desta que Cristiano Ronaldo diz adeus a Madrid? Parece que foi ontem que um jovem desconhecido, mala de cartão numa mão e uma solitária bola de ouro na outra, desembarcou no aeroporto de Barajas para se apresentar discretamente à entidade patronal. A história não foi bem assim, mas o que interessa é que parece mesmo que foi ontem que Cristiano Ronaldo gritou “Hala, Madrid!” pela primeira vez no Bernabéu.
Nove anos que passaram num instante. O casamento entre o maior (atenção, o maior) jogador do mundo e maior clube do mundo foi longo e proveitoso, sem dúvida, mas, desenganem-se os românticos, nunca foi uma história de amor. Casaram-se de branco e de branco hão de separar-se. Porém, nesta história que não é de amor, é inútil procurar virgens ou anjinhos. Não os há. Aqui é business, puro e duro.
Há histórias que se contam através de sentimentos, descrições, ideias. Esta só se conta pelos números. Quatro bolas de ouro, quatro ligas dos campeões, 438 jogos, 450 golos. Nenhum jogador marcou mais na história do Real Madrid. Poucos conquistaram tanto. Os números da transferência, os números dos contratos, os números das estatísticas, os números de golos e de conquistas, os números dos decibéis dos assobios que, por mais de uma vez, o Bernabéu ofereceu ao seu herói.
Números e mais números. Após a final da Liga dos Campeões, Ronaldo poupou os adeptos às críticas. Disse que sempre estiveram com ele. Despeitado com Florentino, não se importou de mentir. Muitas vezes, os adeptos não lhe perdoaram falhas e assobiaram-no como se fosse um novato ou um incapaz. Melhor, como se fosse um jogador do Real Madrid, porque ali ninguém escapa aos caprichosos veredictos da bancada.
Cristiano não fica no coração dos madridistas porque nunca lá entrou. E nunca lá entrou porque, para começo de conversa, Madrid não tem coração. O Real, sobretudo o de Florentino, tem bolsa e palmarés. Para reforçar este abre os cordões àquela, mas nunca entrega o coração que não tem. Paga a traidores, a mercenários, a galácticos e, cumpridas as tarefas, dispensa-os sem sentimentalismos de telenovela. Não tem estilo definido, uma estética, uma filosofia. Se não tem coração, tão-pouco tem cabeça. O que tem é um lema: ninguém é mais importante do que a próxima vitória. Agora, “a por la decimoquarta” porque, ali, até as maiores conquistas têm número em vez de nome.
Se Ronaldo foi pedir amor apresentando em sua defesa os números, foi ingénuo. Florentino tem guardado um lenço branco para a despedida. Só está à espera que a mão direita receba o cheque com que há de secar as lágrimas próprias daquele animal que vive nas margens do Nilo. O craque madeirense devia saber que, no Real, os números não compram amor, compram tempo. E pouco, já se sabe. Zidane, que esteve para ser escorraçado, conhece a máquina e como ela tritura. Por isso, saiu pelo próprio pé. As memórias de um pontapé fenomenal em Glasgow e de três Ligas dos Campeões como treinador podiam nem chegar para durar até Dezembro.
Se Ronaldo for para a Juventus, faz bem. O clube de Turim é, neste momento, demasiado grande para um campeonato que tem conquistado com uma facilidade humilhante para os adversários. É demasiado grande para os títulos europeus que ostenta. E, mais do que os prometidos milhões de Agnelli ou o amor dos adeptos que, em abril, lhe aplaudiram a monumental bicicleta, esse será o desafio, essa será a ambição de Ronaldo.
Não é num oitavo scudetto consecutivo que ele tem os olhos postos. É na décima-quarta do Real, que ele, com toda a força da sua obstinação, na flor da sua terceira idade futebolística, há de querer transformar na terceira da Velha Senhora. E então, sim, se Ronaldo raptar a sabina ao Real Madrid, que a julga sua por direito divino, nesse dia Florentino há de chorar de dor autêntica e não haverá cheque nem lenço que lhe seque as lágrimas. E talvez descubra, talvez descubram os dois, que o amor é aquela coisa que só existe no momento em que se perde. No campo e na vida."
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