"Senhores idiotas e senhores imbecis: Estão a estragar crianças, futuros homens e, à vossa escala, um bocadinho do Mundo.
Há meia dúzia de semanas, num jogo de futebol juvenil, ouvi um rapazola de 13 anos desabafar, entre dentes e com voz de quem tinha uma goma ursinho entalada na garganta: “Agora já nem uma finta posso tentar? Para isso, vou para casa”. Isto foi imediatamente depois de este mini-jogador ter tentado fazer uma finta mais complexa: uma mistura de “letra” com “elástico”. E aqui entre nós: se ele tem conseguido fazer aquilo, seria um nó dos diabos!
De pulmões feitos, o treinador – que a partir daqui podemos passar a chamar “senhor idiota” – mostrou que não gostou daquela perda de bola e mandou o rapaz para o banco. Na bancada, gostaram menos ainda. Foi o próprio pai – que podemos passar a chamar “senhor imbecil” – do rapaz quem gritou: “Mas isto aqui é o giroflé? Passa ao teu colega e deixa-te de paneleirices com a bola”.
Desculpem? Percebi bem? As obrigações tácticas e resultadistas estão à frente da importância que tem, para aquele mini-jogador, tentar reproduzir a finta que viu, na televisão ou no Youtube, o seu ídolo fazer no último jogo? Infelizmente, estão.
Até porque aqueles senhores imbecis consideram ter lá em casa, a viver no quarto ao lado, vestindo um pijama às riscas, um potencial Ronaldo que lhes valerá uma vida descansada. A premissa “Pai, sou feliz a jogar, apesar de não ter jeito nenhum para isto” não lhes chega. E esta, sim, deveria ser a prioridade de qualquer pai que não queira ser um senhor imbecil.
Vá, chama lá o gordinho, que o jogo já está perdido
Outra história: há poucos dias, num jogo de iniciados, um rapaz roliço e com peso a mais para poder jogar melhor do que os outros, entrou em campo. Faltavam menos de três minutos para terminar o jogo. Em que Mundo estamos? Não sei se quero viver num Mundo em que o mais gordinho da equipa só entra a dois minutos do fim, porque, entrando mais cedo, pode prejudicar a possibilidade de ganhar o jogo. Mas ele lá foi, contente, tocar duas vezes na bola. E, no fim, sorridente, ainda disse para um colega: “Desta vez, pelo menos, ainda pude entrar”.
Os treinad... perdão, os senhores idiotas tentam, cada vez mais cedo, incutir naqueles jovens a maturidade competitiva e táctica que pode fazê-los chegar longe e que pode, naquele jogo em concreto, valer uma vitória. Mas que porra vale uma vitória naqueles jogos??? É importante fomentar o espírito competitivo e a vontade de ganhar? Claro! Mas isso é mais importante do que pôr o mais gordinho a jogar? É mais importante do que dar aos rapazes liberdade para tentarem fintas e golos impossíveis? Nunca! Se for, algo está muito mal no futebol e no crescimento destas crianças. E o problema é que está mesmo.
Aqueles rapazes, seguindo os senhores idiotas que deixam o gordinho de fora, já veem o futebol com o objectivo de ganhar e não com a intenção de passarem 60, 70 ou 80 minutos de pura diversão e alegria. Isto está patente também nas manhas que já quase todos usam. É triste ver um daqueles rapazes perder tempo, quando a equipa deles está a ganhar. Oh puto, isto é para jogar, caramba! Não é suposto aproveitares cada minuto? É que amanhã de manhã já é segunda-feira e vais outra vez para a escola aturar a chata da professora de Matemática e, aí, vais desejar estar neste relvado. Mas, quando cá estiveste, andaste, propositadamente, a queimar tempo de jogo.
E não sejamos injustos: é claro que eles reproduzem o antijogo e as manhas que veem os ídolos fazerem na televisão. Isso é natural. O que não é natural é ver os senhores idiotas e os senhores imbecis não só a não porem travão a isso como a serem, eles próprios, os primeiros a dizer aos atletas mais honestos: “Epá, não vás buscar a bola a correr! Queres ir longe a ser anjinho?” ou “Se não te atiras para o chão, como é que queres ganhar faltas?”.
O chavalo aos gritos
É bizarro – e revoltante, também – ver um chavalo de 1,40m a gritar, com o ar mais ameaçador que a sua carinha imberbe permite, com um árbitro que não marcou uma falta. Aqui, entra também a sensibilidade do árbitro, algo que nem sempre existe:
- Opção 1: gerir a situação, com diálogo, mesmo que isso implique perder dois minutos de jogo numa conversa. Se resultar, óptimo. Se não resultar, aconselhar o treinador a tirá-lo do jogo e rezar para que o treinador seja um homem e não um senhor idiota.
- Opção 2: tratar aquela criança como um jogador sénior que ela ainda não é e espetar-lhe com um cartão vermelho nas ventas. Sem direito a conversa. Vá, comece a andar para o banhinho, rapazola, que os seus amigos já vão lá ter.
O mais grave é que não é injusto dizer que estes jovens são incitados pelos próprios pais – ups, já tínhamos combinado chamar-lhes “senhores imbecis” – a insultar e provocar os adversários (para estes senhores imbecis, o conceito de adversário engloba também a equipa de arbitragem). São muitas as situações em que os senhores imbecis, para além dos insultos em nome próprio, gritam para o relvado coisas como: “O gajo deu-te uma paulada, dá-lhe também!” ou “Manda o árbitro p’ó car****, que ele só faz mer**”.
Senhores idiotas e senhores imbecis: estão a estragar o futebol. Estão a estragar crianças. Estão a estragar futuros homens. Estão a estragar, à vossa escala, um bocadinho do Mundo.
Nota: Não deveria ser preciso incluir esta nota, mas, nestes tempos de "ofendidismo", todo o cuidado é pouco. Os “senhores idiotas” e “senhores imbecis” estão caricaturados como treinadores e pais com os comportamentos reprováveis acima descritos. Felizmente, treinadores e pais existem que olham para aquelas manhãs de domingo como o momento de alegria na semana dos seus mini-jogadores e como, para eles próprios, uma manhã divertida em que fazem algo pelas crianças. Transportam até ao campo, apoiam, gritam por ele e, no fim, abraçam. Com um suminho e uma bucha prestes a serem sacados da mochila."
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