"Acredito na seriedade de quem apita jogos, na bondade que entreguem a cada lance
Tenho 44 anos. Durante mais de metade, fui árbitro de futebol. Hoje, como sabem, mantenho-me ligado à arbitragem por outra via. Pela via da análise e do comentário. E também pela via pessoal: a que tenho tentado construir, lenta mas gradualmente. Desse caminho mais solitário nasceu, recentemente, a publicação de um livro sobre as leis de jogo/videoárbitro e, em simultâneo, a criação de um site focado essencialmente em arbitragem. Um espaço onde diariamente procuro torná-la num lugar mais transparente. Sem preconceitos nem corporativismos. Limpo. Cristalino. Independente.
Sei que não deve ser fácil perceberem como é que alguém, na plenitude das suas faculdades (e eu penso que mantenho as minhas faculdades intactas), escolha continuar a estar ligado a uma carreira à qual dedicou tanto tempo e onde mora, em permanência, tanta coacção. Bem, estas coisas não se explicam. Sentem-se. Perceberão isso todos os que dediquem a sua vida a uma só causa ou a algo em que acreditam profundamente. Naturalmente que a arbitragem é para mim, como para qualquer um dos seus actuais agentes directos e indirectos, uma fonte de rendimento. Tal como o futebol, no seu todo, o é para muitas pessoas. E tal como qualquer actividade o é para os respectivos profissionais. Mas o aspecto financeiro, sendo importante, nunca poderia ser determinante, sobretudo para um ex-árbitro. Porquê? Porque esta escolha é efémera e volátil. E porque a verdadeira estabilidade pessoal e familiar nunca assentou, não assenta e jamais poderá assentar em premissa tão circunstancial como esta. Por isso, a verdadeira razão que me faz continuar a ficar deste lado é o facto de acreditar plenamente na melhoria da arbitragem e na sinceridade dos árbitros.
Acredito convictamente - e até prova em contrário - na seriedade de quem apita jogos. Na bondade que entreguem a cada lance, a cada jogada, a cada juízo. Acredito que dão sempre o melhor de si, o melhor que podem e o melhor que sabem. O que varia, neles, não é a integridade ou honestidade. É a sua maior ou menor competência, a sua maior ou menos experiência, a sua maior ou menor sensibilidade para a função. E é aí que mora a diferença entre os que acertam mais e menos. Entre os que erram mais e menos. Entre os melhores e os piores.
Sabendo disso, a estrutura deve canalizar todo o seu esforço no aspecto qualitativo. Na busca dos melhores, dos mais competentes. Isso é possível através de forte investimento no recrutamento, através da formação contínua e da melhoria constante das suas condições de trabalho. Para que, através de quantidade, seguramente desejada por todos, não é compatível com a manutenção de alguns imperativos regulamentares, que obrigam a que - na selecção para o topo -, se tenha em conta, pode exemplo, um critério tão injusto como a idade. Um árbitro não pode chegar ao escalão máximo por ser mais jovem que outros, sobretudo quando esses, por força do seu mérito desportivo, estão melhor posicionados para a subida. Não é possível afastarem-se quatro ou cinco árbitros do seu lugar só porque existe um número de vagas preestabelecidas para outros, eventualmente pior classificados mas bem mais novos. Este princípio - criado há muito, com equipa directiva diferente - teve base bem intencionada (permitir que os árbitros pudessem estar, a médio/longo prazo, nas grandes competições nacionais e internacionais), mas desvirtua aquilo que as competições, os clubes e os adeptos querem ver em campo: os melhores dos melhores.
A meritocracia tem que ser sempre, sempre, o único critério a ter em conta quando se trata de exigir excelência, competência e qualidade. E essa verdade deve valer para os árbitros... e para todos os outros."
Duarte Gomes, in A Bola
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