"Podia ir pelo IC5, mas acabo quase sempre por seguir pela Nacional 221.
Entre Sendim e Miranda do Douro há placas nas duas línguas oficiais de Portugal. Sigo pela estrada antiga porque há por ali um campo de futebol onde um dia vi uma manada de bois de raça mirandesa a pastar debaixo de uma baliza.
Ando há tempos a tentar reencontrar esse enquadramento para tirar uma fotografia decente. Daria um bom postal ilustrado do futebol nacional a juntar ao pelado que descobri junto ao Cabo Sardão, quase no outro extremo de Portugal continental.
Na Costa Vicentina, com o Atlântico defronte, junto ao farol, está outro dos mais belos campos de futebol. Há uns meses andei por lá: uma foto atrás de outra e um suspiro ao perceber a falésia entre o campo e o mar – «Coitado do apanha-bolas.»
O futebol é um jogo simples, não?
No essencial precisa disto: duas balizas e espaço para correr. Juntem-lhe uma bola e gente com tempo para ser feliz.
Inevitavelmente, o futebol complexificou-se. Virou produto comercial, tornou-se numa indústria, há hoje quem fale sobre ele como quem decifra um método científico – se é para aplicar ciência, neste caso priorizo sempre a sociologia.
No princípio eram os jogadores e o público. Ao longo dos tempos, entraram treinadores, árbitros (o quarto, os de baliza, e agora os vídeo), dirigentes, jornalistas, médicos, fisioterapeutas.
Como na «Tourada», de Tordo e Ary do Santos, mais gente foi acorrendo à festa – «Entram guizos, chocas e capotes. E mantilhas pretas. Entram espadas chifres e derrotes. E alguns poetas.»
À medida que o tempo avançou, foram entrando especialistas disto e daquilo. Entraram claques, com cânticos mais ou menos indignos – quando não coisa pior. Até que neste estágio da sua evolução entraram no futebol craques da comunicação, comentadores, encartilhados ou não, com carta-branca para debitarem factos alternativos, com rédea solta para intoxicarem a opinião pública.
Ao longo dos tempos, criaram-se categorias profissionais inesperadas à medida em que entrou na festa gente necessária e gente supérflua, dispensável até. Para o consumidor fica a prerrogativa de decidir se assiste ou não aos espectáculos acessórios.
A única decisão que tenho tomada para esta semana é a de no sábado estar fisicamente o mais longe possível do dérbi de Lisboa, no extremo nordeste do território português.
Poupar-me-ei a cortejos e caixas de segurança ou a considerandos redundantes. E só à hora do jogo tentarei encontrar uma televisão para olhá-la por não mais do que 90 minutos.
Até lá, cruzarei o Planalto Mirandês. Entre as placas bilingues da N221 sei chegará o momento de espreitar a paisagem na berma para tentar encontrar a único casamento feliz entre tourada e futebol: uma manada a pastar debaixo da baliza daquele magnífico ervado entre Sendim e Miranda."
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