"Pela primeira vez um jogo em Portugal teve entradas pagas. Ou melhor, dois jogos: primeiras e terceiras categorias. Duas goleadas do Benfica ao Sporting - 4-0 e 5-0!!!
É semana de «derby»; falamos de «derby». Outro dia trouxe até aqui, às suas páginas, a história de um Benfica-Sporting nos Estados Unidos, Foxboro, arredores de Boston. O Benfica venceu por 3-0, mas a notícia de primeira página dos jornais era a de que ambas as equipas tinham regressado a Lisboa no mesmo avião. As rivalidades são mesmo assim: ultrapassam as margens como rios que se enchem de chuva a caminho do mar.
Hoje vamos voltar mais atrás ainda no tempo. Aos primórdios dos «derbies».
Vamos até 1910.
No dia 27 de Fevereiro de 1910, o Sporting sofre uma tremenda humilhação às mãos do seu inimigo preferido. No Sítio das Mouras, as primeiras categorias são derrotadas por 4-0, a maior diferença de sempre até então em jogos entre os dois rivais. Em terceiras categorias, a vitória encarnada é ainda mais gorda: 5-0. Era terrível para o leão...
Somem-se as parcelas, obtenha-se o total, e imagine-se o impacto destrutivo que tal resultado provocava nas hostes adversárias.
E assim se acrescentou mais um tijolo de animosidade ao edifício crescente de tão grande rivalidade.
Este desafio foi histórico, mas histórico. Expliquemos porquê. Simples: pela primeira vez no futebol português os espectadores pagaram bilhete. De facto, foram vendidos bilhetes a 120 réis, algo de inédito entre nós, mas que se propagaria com a rapidez de todas as ideias financeiramente bem urdidas. Embora houvesse, como seria de esperar, vozes discordantes. Como a deste curioso editorial do «Diário de Notícias» de dia 1 de Março: «Entradas pagas?! Oh! Oh! Agora fia mais fino. Já o senhor 'Manuel Ceguinho', o 'Chico da Rita' e outros mais assíduos frequentadores da 'tasca' e dos desafios não poderão ir manifestar-se com os seus 'esfola-me esse maroto', 'mata-me esse pinoca', e mais vocábulos da agenda 'footvallística', pois para isso têm de pagar 120 réis, o que não está escrito no seu orçamento.»
A peça vinha assinada sob o pseudónimo de «Má Língua», atribuído a um grupo de cronista da época.
«Cenas pugilísticas»
Voltemos às quatro linhas. É lá que verdadeiramente os acontecimentos se vivem. Se durante a primeira parte o embate foi equilibrado, à medida que os minutos foram passando os jogadores do Sporting desmoralizaram por completo. Um jornalista do «Tiro & Sport» - curiosíssima publicação - chegaria a escrever que a equipa verde e branca mais parecia um team de veteranos.
O Sporting tinha fama de praticar um futebol vistoso e agradável. A imprensa da época não hesitava em considerar que, mesmo nas derrotas mais pesadas, os leões se assumiam como o conjunto que melhor jogo colectivo praticava. Não foi isso que aconteceu nesse dia 27 de Fevereiro de 1910.
A perder por 1-0, Augusto Freitas, keeper sportinguista, perdeu também a cabeça. Diz quem lá esteve: «A violência é sempre perigosa, até pela réplica que provoca. E entre os jogadores que a tal respeito se destacaram, foi apontado o guarda-redes leonino que se desforçou com jogadas irregulares de dois tentos que não pôde evitar, sendo castigado depois pela Direcção da Liga por jogo violento.
Do boletim do árbitro do encontro, Mr. Frood, do Carcavellos, consta a informação de se terem registado 'cenas pugilísticas' na segunda parte, retirando dois jogadores de campo, um de cada grupo.»
Mais uma vez, os responsáveis pelo Sporting tiveram dificuldade em aceitar os castigos impostos a posterior a jogadores do seu clube. E reagiram da forma que se tornara habitual: desistindo.
O fel de irmãos voltava a entranhar-se. Mais ácido ainda porque nesse ano o Benfica conquistava, pela primeira vez, o título de campeão de Lsiboa dando uma machadada final na velha supremacia inglesa. A história dos «derbies» ia ganhando episódios únicos. Tornava-se, a pouco e pouco, a mais frutuosa rivalidade jamais vista em Portugal."
Afonso de Melo, in O Benfica
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