"Uma viagem analítica pelo mundo dos direitos televisivos, com olhar atento para o que se passa no estrangeiro e, também, em Portugal.
1. Vivemos os últimos momentos do grande período da intermediação nas principais ligas europeias. É certo que em algumas ligas, cada vez mais poderosas sob o ponto de vista financeiro, a data limite não será o dia 31 de agosto. Mas serão sim os primeiros dias de Setembro. Agora que todos os clubes sabem as competições em que participam é tempo para uma reflexão global acerca desta indústria. Para uns olhares acerca do futebol. Que tem muitas especificidades. Desde logo sabemos que as regras do jogo económico têm no futebol um significado próprio. Distinto de muitos outros sectores e actividades. Há clubes, em rigor sociedades desportivas, que têm uma situação económico-financeira tão débil que em outras indústrias já teriam sido consideradas falidas. Mas não o são, mesmo com as singularidades jurídicas que a nossa legislação concebeu para a recuperação de empresas. Há outros clubes, em rigor sociedades desportivas, que compram e vendem jogadores a preços que parecem impossíveis e ninguém questiona a forma da respectiva avaliação. E os adeptos, e até os accionistas, mesmo que minoritários daquelas sociedades desportivas, parecem não sensíveis aos números apresentados e, igualmente, insensíveis à qualidade do produto que consomem.
2. Este tempo de intermediação, principalmente em razão das largas centenas de milhões de euros que já circularam no espaço europeu, tem na liga inglesa o seu centro. O seu centro de poder financeiro. Sem esquecermos alguns clubes como o PSG ou a Juventus, o Milão ou o Bayern de Munique. Daí que o exemplo inglês seja referência para outras ligas. A Inglaterra, e o seu futebol, é o exemplo perfeito da combinação entre o liberalismo económico e um profundo colectivismo. Há cerca de vinte anos o futebol inglês, abalado pela crise de violência, começou uma verdadeira revolução que o leva, no momento, a ser uma referência mundial e um espaço de atractividade de muitos milhões de adeptos desta modalidade que, pela simplicidade das suas regras, se tornou uma marca global. E com os ídolos de referência e de excelência. E o sistema igualitário de voto dos vinte clubes da principal Liga inglesa, a par do direito da federação inglesa, permitem uma estabilidade societária que ajuda a multiplicar as receitas, como as televisivas e comerciais, e a não exagerar nas despesas. A Liga inglesa já é, a par da FIFA e da UEFA, uma verdadeira multinacional.
3. Convém igualmente olhar para o que está a acontecer nas ligas francesa e espanhola. Em ambas tensões entre a Liga e a Federação. E em França um conflito com clubes da primeira liga a entrarem em ruptura com o sistema orgânico vigente e, criando o seu próprio sindicato, olham para o êxito da liga inglesa e procuram uma solução semelhante. O que implica uma significante alteração das relações de poder - e de força! - no conjunto do futebol francês. Em Espanha a tensão entre a Liga e a Federação é indiscutível. E a questão dos exclusivos televisivos é, tão só, um dos temas para essa tensão. Que atinge, já, as relações pessoais entre o Presidente da Federação e o Presidente da Liga. Talvez estas razões, bem relevantes, sejam a justificação para os programas eleitorais das principais forças políticas concorrentes às próximas eleições legislativas portuguesas serem quase que omissos na abordagem destas questões. Que bem sabemos queimam!
4. E queimam ainda mais em Portugal. Em razão de uma singularidade portuguesa. Entre nós temos uma televisão de clubes - a BTV - que detém os exclusivos dos jogos do clube (e também do Farense) e, ainda, e nesta época, os exclusivos das ligas inglesa, francesa e italiana. Temos, depois, um canal desportivo, igualmente pago, a Sport TV, que detém os direitos de transmissão de todos os outros clubes participantes nas competições profissionais e, também, de outras ligas importantes como a espanhola, alemã ou holandesa. E temos, singularmente, uma empresa liderada por Joaquim Oliveira que é detentora dos direitos exclusivos televisivos da quase generalidade das sociedades desportivas e é parceira societária da Sport TV. E esta singularidade portuguesa exige cautela e ousadia, capacidade de articulação e força negocial. E, também, um olhar permanente para as estratégias dos principais operadores, seja a NOS seja a MEO - agora Altice, ex-PT - e, também, para a possível alteração accionista em algum canal privado português. Sem nos esquecermos das novas realidades ligadas a jornais como a nossa A BOLA TV ou a CMTV. E, nesta matéria, a «distribuição» de eventos desportivos que a FPF está a fazer por diferentes canais é um sinal interessante acerca da sua posição face ao mercado existente. Onde a RTP com a Liga dos Campeões e as nossas principais selecções tem, claramente, e nas próximas épocas, uma posição bem destacada.
5. Para além destes aspectos convém não ignorarmos o peso da intermediação desportiva em Portugal. E este peso resulta de um dos principais actores mundiais neste sector de actividade ser português, Jorge Mendes. Sendo, necessariamente, um quase que abono permanente para algumas sociedades desportivas portuguesas. Ele é, neste âmbito, o porto de chegada e o porto de saída. Chegada de jogadores, sua valorização e partida pintada ouro em certos casos. Como no arranque da liderança comercial portuguesa e em que os Descobrimentos são um momento relevante, Jorge Mendes é quase que uma casa dos vinte e quatro. Onde tudo se decidia!
6. O que falta em Portugal é, também, a análise sistemática e sistémica dos dados. Há estatísticas, e muitas, acerca dos jogos. Mas não há uma ponderação profunda acerca dos dados económicos, das entradas de fluxos financeiros, do valor da intermediação, da origem das sociedades destinatárias das verbas da intermediação, do volume de impostos - sem ser o IVA - que o conjunto do futebol português paga ao Estado. Faltam estes estudos que não podem ser, como muitos, simples ou meros exercícios intelectuais. De forma que, na ante câmara da entrada em vigor das apostas online, se possa dizer «que o futebol português é assim»! E, dessa forma, percebem-se os mitos e sabem-se as verdades que marcam, há tanto tempo, o futebol português. Talvez seja o tempo. A questão é da vontade. E como, há alguns séculos, dizia Maquiavel «onde há uma vontade forte não pode haver grandes dificuldades»! Antes que estas se multipliquem!"
Fernando Seara, in A Bola
entretatno a besta foi expulsa
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