"A Federação Internacional de Futebol decidiu proibir a utilização de fundos na propriedade dos direitos económicos dos futebolistas. Em nome da transparência e com o beneplácio da UEFA, esta alteração está a provocar um aceso debate no seio do Futebol internacional.
A FIFA, através da sua Circular n.º 1464, de 22 de Dezembro de 2014, veio proceder à alteração do seu Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de jogadores (RETJ), em ordem a proibir a propriedade por parte de terceiros dos direitos económicos sobre futebolistas.
De uma forma sintética, os direitos económicos podem ser definidos como o direito de um terceiro, através da concessão de um empréstimo monetário, se fazer credor de um clube/SAD que pretende adquirir - ou adquiriu - os direitos federativos sobre um jogador, tendo em vista a posterior cedência desses mesmos direitos a outro clube/SAD por um valor superior, por forma remunerar o empréstimo concedido com lucro.
Com efeito, os direitos federativos sobre um jogador - o direito de um clube/SAD o inscrever numa competição desportiva - envolvem um conteúdo patrimonial, como é visível pelo valor envolvido nas transferências. E, se estes direitos apenas podem ser propriedade de um único clube/SAD, já os direitos económicos que dele emanam podem estar sujeitos a um regime de multipropriedade, isto é, a sua titularidade é divisível por vários proprietários (este sistema é conhecido: 'third-party ownership of players' economic rights - TPO').
A FIFA entende que este sistema - por comodidade vamos referir-nos a ele apenas pelas siglas TPO - coloca em causa a transparência das competições e as regras de uma competição sã. Sem nos atermos à bondade destes argumentos - mas dizendo de uma forma frontal que a decisão da FIFA, apoiada pela UEFA e por algumas ligas de Futebol, apenas visa limitar a capacidade competitiva dos clubes/SAD que têm no recurso ao TPO uma forma de capitalização desportiva e económica - interessa, sobretudo, verificar se a mesma é compatível do direito comunitário e nacional.
Sendo o Desporto profissional - e o Futebol em particular - considerados uma actividade económica, não só é lícito como aceitável - desportiva e economicamente - que os clubes/SAD recorram a instrumentos financeiros que não são exclusivos do Desporto, por forma a ultrapassarem as limitações que as suas fontes de receita lhe impõem.
O recurso ao TPO, através da celebração de contratos com fundos de investimento, foi uma das formas encontradas, em particular em Portugal e Espanha, para poder obter essas receitas que faltavam, tendo em vista a contratação de jogadores o que, de outra forma, não seria possível.
É certo que a origem do sistema TPO - na América do Sul - levou a situações de abuso, obrigando a FIFA, num primeiro momento, a intervir, através da introdução do artigo 18.º bis ao RTJF (em causa estava o caso Tévez - West Ham United, onde uma empresa detinha os direitos económicos do jogador e controlava os seus direitos laborais, uma vez que o clube não podia transferir o futebolista sem o seu consentimento expresso).
Mas, sem prejuízo do respeito pelas regras próprias do Futebol - no caso, a inviolabilidade dos direitos federativos -, existe uma obrigação dos regulamentos da FIFA em estarem conformes com a legislação comunitária, isto é, a especificidade do Desporto tem limites materiais.
Ora, esta decisão da FIFA - que se traduz na alteração aos artigos 18.º e 18.º bis do RTJF, bem como à introdução da definição de TPO - colide, em nossa opinião, não só com o ordenamento jurídico português mas, sobretudo, com o direito comunitário vigente, onde este tipo de operações está prevista e regulamentada.
Na prática, esta decisão da FIFA pode vir a ser objecto do 'crivo' por parte das instituições da União Europeia, em particular da Comissão e do Tribunal de Justiça e, em última análise, tal proibição pode não vigorar no espaço comunitário.
Mas a decisão da FIFA também colide com a jurisprudência firmada pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAS/CAS), pela qual se admite expressamente, que «os 'Direitos Económicos' relativos ao jogador podem ser objecto de contitularidade e por tanto, parcialmente transferidos» (neste sentido vão os acórdãos Maiorca SAD vs Clube Atlético Lanús e Espanhol de Barcelona vs Clube Atlético Vélez Sarsfield).
Talvez por saber que a sua decisão é tudo menos pacífica, a FIFA optou por manter funcionamento o grupo de trabalho para o TPO (bem como um período de transição até à efectiva aplicação da proibição), o qual irá apresentar um novo relatório no 65.º Congresso da Organização.
O assunto, se bem nos parece, está longe de se encontrar encerrado, podendo sim evoluir da proibição para a regulamentação, como forma adequada para proteger todos os interesses envolvidos e evitar abusos.
Foi um tiro nos fundos, mas sem os afundar..."
José Fanha Vieira, in O Benfica
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