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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Desembarcaram incógnitos no Rossio...

"O Paris Saint-Germain chega a Lisboa e é boa altura para recordar que a primeira equipa estrangeira a visitar a velha «capital do Império» foi precisamente francesa, já lá vão mais de 100 anos. E também foi sobre um clube francês a primeira vitória internacional do Benfica.

está o Paris Saint-Germain de regresso a Lisboa. «Soyez les bienvenus». diremos nós a quem a hospitalidade só fica bem, ainda que não haja grandes recordações da última visita do Benfica a paris, mas enfim, é mesmo assim o Futebol, feito de vitórias e derrotas, umas mais bonitas, as outras mais feias.
Nestas páginas que levam quase o título de «Se bem me lembro», não fora o caso da maior parte das vezes não me lembrar e ter de jogar mão aos jornais antigos e às memórias alheiras, e de tal frase já estar de há muito tomada pelo inesquecível Vitorino Nemésio, cabem desta vez recordações das primeiras visitas de equipas francesas a Lisboa e ao Benfica, já lá vão mais de 100 anos, vejam bem.
Em Maio de 1911, na Estação do Rossio, desembarcavam os quase desapercebidos representantes do Stade Bordelais Université Club, fundado a 18 de Julho de 1889 sob o nome de Stade Bordelais, «tout simplement», se me é permitido o francesismo.
Uma união com os clubes universitários da sua zona de Bordéus, Sainte-Germaine, ofereceu-lhe o Université Club. Dedicados sobretudo ao Râguebi, os jovens do Stade Bordelais também tinham orgulho da sua equipa de Futebol, campeã de França precisamente nesse ano de 1911 em que se apeavam à beira Tejo. Antes desse título, que seria o último, já tinham sido campeões em 1899, 1904, 1905, 1906, 1907 e 1909. Isto é, uma equipa de respeito. Que repartia com o Racing Club, o Stade Français e o FC Lyon a supremacia do futebol francês do período pré- I Grande Guerra.
Ora, foi este clube francês que agora vegeta pelas profundezas das divisões secundárias sob o nome pouco menos do que ininteligível de Union Stade Bordelais - Clube Athlétic Vordeaux - Bègles Gironde, o primeiro adversário internacional do Benfica. Matéria que aprofundei aquando da escrita do livro «Se Mais Mundo Houvera...», dedicado à vocação internacional dos 'encarnados', que já contam com mais de 700 jogos realizados fora de Portugal (entre oficiais e particulares, como está bem de ver), num registo de fazer inveja a qualquer clube do Mundo.

Um pontapé no peito de Cosme Damião
MUITO bem, regressemos a 1911. Pela primeira vez um clube estrangeiro visitava Lisboa. O jornal «Os Sports Ilustrados» era o mentor da ideia, o patrocinador do convite. Estávamos perante a oportunidade única de trazer até Lisboa um «team» de inegável categoria, habituado a receber no seu campo mais de 10 mil espectadores. Não se olhou a custos. Nas páginas de «Os Sports Ilustrados» podia ler-se: «Os desportistas de Lisboa assistiram, realmente, a três belíssimos desafios, jogados com ardor, mostrando os berdeleses uma técnica perfeita do Futebol. A concorrência aos desafios foi bastante grande para o nosso meio, mas pequena ainda para compensar monetariamente os organizadores. Estes, porém, desde começo tinham feito o sacrifício completo dos seus interesses, na intenção benemérita de favorecer desportivamente o nosso meio, o que não pode deixar de ser reconhecido pelos portugueses, pois, de contrário, cometeriam uma revoltante injustiça».
Dia 19 de Maio instalavam-se os franceses em Lisboa. E logo um azar, uma contrariedade, os debilita para o primeiro encontro aprazado, contra o CIF, Clube Internacional de Futebol, campeão de Lisboa, primeira equipa portuguesa a deslocar-se ao estrangeiro, a Madrid, em 1906. Um acidente de automóvel, ainda que sem grande importância, incapacita três jogadores do Stade Bordelais. O Internacional aproveita e vence, por 2-1. Em seguida é a vez da selecção da Associação de Futebol de Lisboa jogar contra os franceses. Vitória mais gorda, 5-1, com participação de três jogadores do Benfica: Henrique Costa, Cosme Damião e Artur José Pereira. Todos os jogos se disputaram no campo da Feiteira, propriedade do Benfica, e coube aos 'encarnados' fechar a ronda.
Dia 22 de Maio, o Stade Bordelais vence, por 4-2, num encontro capaz de entusiasmar o público presente. As vedetas francesas exibem-se ao seu nível. Cazeaux, Ribot, Lassalle e Harders arrancam os aplausos das bancadas. Reza a história que fazia parte da equipa do Bordéus um italiano de «marca raspadeira» que terá desferido um pontapé no peito de Cosme Damião, deixando-o sem sentidos. Ainda assim, o Benfica chega ao intervalo em vantagem: 2-1. Não basta. Os franceses são mais organizados. José Domingos Fernandes vinga o seu «capitão» momento de um canto contra o Benfica: desfere-lhe uma cabeçada nos queixos que o faz perder uns dentes. O italiano reclama, em castelhano: «Usted nos és un hombre - és um cafre!» O árbitro Merik Barley dá o jogo por terminado. Está cumprido o primeiro passo de uma gigantesca história internacional que levaria o Benfica a defrontar todos os grandes clubes do Mundo e a viajar por todos os continentes.
E, já agora, que ainda sobra espaço na página, recordemos que datou do início de Abril de 1912 a segunda visita de uma equipa francesa a Lisboa. Desta vez o patrocínio do convite pertenceu ao Clube Internacional de Futebol e a escolha recaiu sobre o novo campeão de França, o La Vie au Grand Air du Médoc, de Mérignac, nos arredores de Bordéus. O La Vie au Grand Air du Médoc já havia visitado Portugal no ano anterior, deslocando-se ao Porto onde bateu o FC Porto por 1-0.
Em Lisboa, estreou-se a 7 de Abril, no campo das Laranjeiras, propriedade do CIF. Adversário: o CIF. Vitória lusitana, por 1-0. No dia seguinte, como acontecera no ano anterior, é a vez de entrar em campo a selecção da Associação de Futebol de Lisboa. A vitória foi gorda: 5-0. Nela participaram dois jogadores do Benfica: Henrique Costa e Artur José Pereira. Finalmente, no dia 11 de Abril, o Benfica goleou o La Vie au Grand Air, por 6-1, sob chuva intensa e num confronto quezilento e cheio de interrupções. Pela primeira vez o Benfica vencia um conjunto estrangeiro. Hábito que saberia manter ao longo da sua história."

Afonso de Melo, in O Benfica

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